Alguns minutos antes de se iniciar a demonstração ultimavam-se pormenores para que nada falhasse, o momento assim o exigia. Dentro de minutos assistir-se-ia à primeira distribuição quântica de chave criptográfica por comunicações quânticas sem-fio em Portugal. A experiência desta segunda-feira, 8 de julho, protagonizada pelo Instituto de Telecomunicações (IT), ligaria – se tudo corresse bem – as duas torres do Técnico, cobrindo uma distância de 180 metros, assumindo-se como algo inédito que abriria as portas de Portugal às futuras comunicações quânticas espaciais.
Para assistir à demonstração estiveram presentes: a professora Carole Mundell, chief scientific adviser do Foreign and Commonwealth Office do Reino Unido, Christopher Sainty, embaixador britânico em Portugal, o professor Jürgen Mlynek, chair do Strategic Advisory Board do programa europeu Flagship in Quantum Technologies, o professor Arlindo Oliveira, presidente do Técnico, o professor Carlos Salema, presidente do Instituto de Telecomunicações (IT), o professor Luís Oliveira e Silva, presidente do Conselho Científico, entre outros.
José Jesus, aluno do mestrado integrado em Engenharia Física Tecnológica e bolseiro do programa Gulbenkian “Novos Talentos em Tecnologias Quânticas”, e o professor Manfred Niehus, investigador do IT e docente do ISEL, estavam no comando das operações, o primeiro a postos na Torre Norte- de onde a mensagem seria lançada, e o segundo na Torre Sul – onde seria recebida a mensagem. A máquina de onde partiriam os fotões e que ocupava uma das bancadas do QuTe Lab – Quantum Technologies Laboratory do Instituto de Telecomunicações havia sido montada de raiz, e muitos dos seus componentes impressos pela própria equipa do Grupo de Física da Informação e Tecnologias Quânticas.
“Portugal tem vindo a trabalhar nesta área nos últimos anos, e esta demonstração assume-se como um importante passo no caminho que temos feito”, explicava o professor Yasser Omar, coordenador do Grupo de Física da Informação e Tecnologias Quânticas do IT. Também o professor Manfred Niehus enfatizava a importância da mesma e o trabalho levado a cabo para que esta demonstração fosse bem-sucedida. “Isto que vamos aqui fazer hoje é um trabalho muito completo de engenharia, extremamente interdisciplinar. Foram precisas muitas horas de trabalho, muito conhecimento de diversas áreas para montar o sistema que nos permitirá fazer a comunicação hoje”, frisava, dando posteriormente alguns detalhes sobre o que aconteceria de seguida.
As comunicações sem-fio, por satélite, apesar de incipientes, são atualmente a solução para transmitir mensagens cifradas quanticamente a longa distância. Tudo se processa de forma aparentemente simples: são enviadas partículas de luz individuais, chamados fotões, que codificam os bits quânticos. São estes bits quânticos ou qubits que transportam a informação permitindo distribuir uma chave que permitirá fazer a comunicação cifrada. “As tecnologias quânticas permitem distribuir a chave simétrica, permitindo ao emissor e ao recetor da mensagem cifrada usarem a mesma chave para cifrar e decifrar”, ia explicando o professor Yasser Omar. Às tecnologias quânticas cabe apenas distribuir essa chave de forma privada e segura, a parte da comunicação cifrada propriamente dita, é clássica. “Há uns anos ninguém acreditava que isto seria possível, era pura ficção científica”, soltava o embaixador britânico.
Depois da explicação, e já com tudo a postos, o professor Manfred Niehus passava para a Torre Sul onde seria recebida a chave criptográfica, que não é nada mais nada menos do que uma sequência aleatória de zeros e uns, mas que podem estar em ambos os estados (horizontal/ vertical) simultaneamente. A mensagem propriamente dita é distribuída a partir de fotões, de forma segura, garantindo que o emissor e o recetor têm a mesma sequência aleatória de zeros e uns. As propriedades de um qubit não podem ser medidas sem alterar o seu estado, uma vez que é impossível fazer cópias exatas ou “clones” do mesmo. A grande mais-valia disto é que se alguém tentar intercetar essa distribuição de chave é detetado, sendo possível perceber pelos distúrbios causados se alguém está “à escuta”.
Dado o sinal de que estava tudo pronto em ambos os lados da operação, e preparado o sistema de bases não ortogonais, José Jesus lança a dita chave. Pelo meio o esclarecimento de algumas dúvidas sobre como seria depois lida a mesma, as hipóteses de erro, etc. . “Já está”, partilhava de repente o aluno do mestrado integrado em Engenharia Física Tecnológica. Do outro lado chegava a mensagem de que a chave tinha chegado com sucesso, celebrando-se o momento com um aplauso e muitas felicitações. “Geramos uma chave, foi lida e recebida do outro lado e agora é colocar as chaves juntas”, explicava José Jesus. E num ápice, literalmente à velocidade da luz, fez-se história.
O sucesso da experiência fez com que ela fosse repetida na passada quarta-feira, 10 de julho de 2019, antes da sessão de encerramento da conferência Ciência 2019, a convite do Ministro da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, Manuel Heitor. Esta segunda demonstração permitiu verificar a portabilidade do equipamento e desta tecnologia para fora do laboratório. “Estas duas demonstrações históricas demonstram a capacidade de Portugal de desenvolver comunicações quânticas sem-fio, e posicionar-se na cena internacional nesta área estratégica”, salientou o professor Yasser Omar.