O melanoma é o tipo mais grave de cancro de pele. Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), há cerca de 200,000 novos casos e 55,000 mortes associadas ao melanoma em todo o mundo a cada ano. Em Portugal, registam-se por ano 1320 casos, com uma taxa de mortalidade de 27%. Se o diagnóstico precoce é fulcral para atenuar estes números, também é a capacidade de prognóstico do avanço da doença e de ajuste do tratamento a cada caso. É com este objetivo em mente, e recorrendo a todas as potencialidades da Inteligência Artificial, que a professora Catarina Barata, docente do Departamento de Engenharia Eletrotécnica e de Computadores (DEEC) e investigadora do Instituto de Sistemas e Robótica (ISR-Lisboa), trabalha há dois anos. A investigação que tem coliderado e a relevância dos resultados que pretende atingir valeram-lhe este ano um Google Research Scholar Award.
Atribuídos anualmente a investigadores de todo o mundo, os Google Research Scholar Awards, com um prémio monetário associado de cerca de 50 mil euros, reconhecem investigação de vanguarda em áreas de interesse da Google, identificando e reforçando as relações de colaboração a longo prazo com os docentes que trabalham em problemas que terão impacto na forma como as gerações futuras utilizam a tecnologia. A docente do Técnico foi a única investigadora portuguesa contemplada de um total de 86 investigadores de mais de 50 universidades de todo o mundo.
Há 10 anos que a investigadora do ISR trabalha na área de análise de imagem através de técnicas de Inteligência Artificial(IA). Até ao doutoramento o seu foco tinha sido a área de diagnóstico, ainda que o seu background em Machine Learning (ML) lhe tenha permitido ao longo do tempo dar contributos em outras áreas – segurança, robótica, etc.
Há dois anos, conjuntamente com o Instituto de Patologia e Imunologia Molecular da Universidade do Porto (IPATIMUP) e o Instituto de Investigação e Inovação em Saúde (I3S), num projeto que conta também com a liderança da doutora Helena Pópulo, decidiu diversificar o seu contributo no campo da saúde, centrando-se no prognóstico do melanoma, numa altura em que pouco trabalho existia na modelação da progressão e o tratamento de condições cancerígenas recorrendo a IA. “Avançámos para o contacto com hospitais de todo o país, solicitando imagens de dermatoscopia, usadas para treinar o modelo, e também os tumores, através dos quais estamos a tentar perceber se a informação genética extraída pode ser integrada num modelo de inteligência artificial para prever o prognóstico”, evidencia a docente.
O objetivo é perceber “se com a ajuda da Inteligência Artificial é possível encontrar padrões, não só nas imagens dos tumores, como também nos dados dos pacientes para ter modelos de predição de como é que os doentes vão responder à terapia, de como é que a doença vai evoluir”, explica a investigadora. No final, e se tudo correr como previsto, estes modelos poderão ser integrados numa ferramenta que servirá de suporte à decisão do médico, prevendo com mais precisão quem é mais suscetível de responder a determinadas terapias.
Inteligência Artificial, uma aliada de peso no prognóstico do melanoma
Tal como denota a professora Catarina Barata, o diagnóstico do melanoma não é o ponto final. “Após o diagnóstico, há toda uma parte de anatomia patológica, o tumor é avaliado em termos de mutações genéticas para tentar perceber qual a melhor terapia a aplicar aos doentes”, destaca. “O melanoma tem tendência para metastizar muito depressa, por isso é preciso ter terapias que sejam quase personalizadas para aquela pessoa, só que isso não se consegue fazer neste momento”, complementa.
A capacidade das ferramentas de ML para detetar características-chave a partir de conjuntos de dados complexos pode ser um aliado de peso nesta estratégia. “A máquina consegue analisar muito mais casos do que qualquer médico vai ver ao longo da vida” e “combinar diferentes níveis de informação”, salienta a docente.
Para a investigadora do ISR estas tecnologias serão ainda mais importantes no futuro, quer devido às novas terapias que vão surgindo, quer porque a incidência de melanomas pode aumentar. “Um escaldão ontem não vai ter um efeito hoje, mas sim daqui a 20 anos, e por isso é expectável que o número de casos aumente”, refere.
Apaixonada pela complexidade deste problema, a professora Catarina Barata afirma que “a relutância que ainda existe por parte dos médicos sobre este trabalho, dá-me mais vontade de provar que é possível”. “A verdade é que quando os médicos percebem que isto pode ser uma ajuda e que eles próprios podem dar algum input eu acho que a perspetiva muda”, denota em seguida, salientando que também tem aprendido muito nesse contacto com médicos.
Este trabalho de persuasão da comunidade médica tem dado frutos, como o comprova o número de hospitais que já se encontram a colaborar com o projeto. Atualmente além do Hospital de São João, do Hospital de Santarém, do Hospital de Santo António dos Capuchos, juntou-se recentemente ao mesmo, o Instituto Português de Oncologia (IPO). Estas colaborações traduzem-se no acesso a um maior número de casos, imagens e tumores, elementos fulcrais para treinar o modelo, tornando-o mais robusto.
“Isto não é um projeto que vai estar resolvido no próximo ano, isto é uma máquina que estamos a montar e temos que ter consciência que não vai ser assim tão imediato”, realça a professora Catarina Barata. Ainda assim, a investigadora acredita que este apoio da Google permitirá dar um importante passo: “tentar ver se de facto nas imagens de dermatoscopia conseguimos ver as predições das alterações genéticas”. “Já temos esse resultado no plano clínico, vamos agora tentar obtê-lo com a Inteligência artificial”, complementa. Ainda que o processo possa ser mais moroso que o desejável, uma coisa é certa: a investigadora do ISR continuará a trabalhar para que seja possível.