Pela primeira vez, uma equipa internacional de cientistas – incluindo investigadores do Instituto de Plasmas e Fusão Nuclear (IPFN) / Instituto Superior Técnico – gerou experimentalmente feixes relativistas de pares de plasma eletrão-positrão de alta densidade, produzindo duas a três ordens de grandeza mais pares do que anteriormente relatado. Os resultados da equipa foram publicados na revista Nature Communications. Este feito abre as portas a experiências que poderão produzir descobertas fundamentais sobre o funcionamento do Universo.
Os buracos negros e as estrelas de neutrões estão entre os objetos mais densos e energéticos conhecidos no Universo. Nestes ambientes astrofísicos extremos existem plasmas – o quarto estado fundamental da matéria a par dos sólidos, líquidos e gases. Especificamente, os plasmas nestas condições extremas são conhecidos como plasmas relativistas de pares eletrão-positrão, ou “bolas de fogo” de plasma, porque compreendem um conjunto de eletrões e positrões – todos a voar quase à velocidade da luz.
“A geração de “bolas de fogo” de plasma produzidas em laboratório, compostas de matéria, antimatéria e fotões é um objetivo de investigação na vanguarda da ciência das elevadas densidades de energia”, explica o autor principal Charles Arrowsmith, físico da Universidade de Oxford. “Mas, até agora, a dificuldade experimental de produzir pares eletrão-positrão em número suficientemente elevado tem limitado a nossa compreensão a estudos puramente teóricos”, acrescenta.
Luís Oliveira e Silva, professor no Departamento de Física do Instituto Superior Técnico e Coordenador do Grupo de Lasers e Plasmas/IPFN, juntamente com Pablo Bilbao e Filipe Cruz, alunos de doutoramento do Técnico, colaboraram com Arrowsmith e outros cientistas na conceção de uma experiência inovadora que utiliza as instalações HiRadMat no acelerador Super Proton Synchrotron (SPS) da Organização Europeia para a Investigação Nuclear (CERN), em Genebra, Suíça. A equipa do Técnico foi responsável pelas simulações numéricas e pela interpretação teórica que apoiaram o esforço experimental.
Esta experiência gerou feixes de eletrões-positrões quase neutros, extremamente elevados, utilizando mais de 100 mil milhões de protões do acelerador SPS. Cada protão transporta uma energia cinética que é 440 vezes superior à sua energia de repouso. Devido a este grande momento, quando o protão esmaga um átomo, tem energia suficiente para libertar os seus constituintes internos – quarks e gluões – que se recombinam imediatamente para produzir uma chuva de partículas elementares. Por outras palavras, o feixe que geraram no laboratório tinha partículas suficientes para começar a comportar-se como um plasma astrofísico.
“Isto abre uma fronteira inteiramente nova na astrofísica laboratorial, tornando possível sondar experimentalmente a microfísica das explosões de raios gama ou dos jactos de blazar”, afirma Arrowsmith.
A equipa também desenvolveu técnicas para modificar a emissão de pares de feixes, tornando possível realizar estudos controlados de interações de plasma em escalas semelhantes às dos sistemas astrofísicos. “Os telescópios espaciais e terrestres não são capazes de ver os mais pequenos detalhes desses objetos distantes e, até agora, só podíamos confiar em simulações numéricas. O nosso trabalho de laboratório vai permitir-nos testar as previsões obtidas a partir de cálculos muito sofisticados e validar a forma como as bolas de fogo cósmicas são afetadas pelo ténue plasma interestelar”, afirma o coautor Gianluca Gregori, professor de física na Universidade de Oxford.
Para além do Instituto Superior Técnico, da Universidade de Oxford e do CERN, as instituições que colaboraram nesta investigação incluem a Universidade de Rochester, o Science and Technology Facilities Council Rutherford Appleton Laboratory (STFC RAL), o Atomic Weapons Establishment, no Reino Unido, o Lawrence Livermore National Laboratory, o Max Planck Institute, na Alemanha e a Universidade da Islândia.
COMO FUNCIONA: Um protão (esquerda) do acelerador Super Proton Synchrotron (SPS) do CERN colide com núcleos de carbono (pequenas esferas cinzentas). Isto produz uma chuva de várias partículas elementares, incluindo um grande número de piões neutros (esferas cor de laranja). Quando os piões neutros instáveis decaem, emitem dois raios gama de alta energia (setas amarelas). Estes raios gama interagem com o campo elétrico dos núcleos de tântalo (grandes esferas cinzentas), gerando pares de eletrões e positrões e dando origem às novas bolas de fogo de plasma. Devido a estes efeitos em cascata, um único protão pode gerar muitos eletrões e positrões, tornando este processo de produção de plasma de pares extremamente eficiente.