Uma equipa internacional de cientistas liderada por investigadores do Instituto de Plasmas e Fusão Nuclear do Instituto Superior Técnico, Museu de História Natural de Londres, Reino Unido e do Museu Field de História Natural de Chicago, EUA, identificou as origens da endotermia nos mamíferos, traçando as suas origens até ao Triássico Superior, há cerca de 233 milhões de anos – cerca de 20 milhões de anos mais tarde do que se suponha até agora. O artigo Inner ear biomechanics reveals Late Triassic origin of mammalian endothermy foi publicado online no dia 20 de julho na revista Nature e representa o primeiro artigo científico da história da paleontologia portuguesa em que um português é primeiro autor numa revista científica de alto impacto.
O método utilizado por esta equipa baseia-se na observação de que a temperatura corporal afecta a viscosidade, ou fluidez, da endolinfa, um líquido contido nos minúsculos canais semicirculares do ouvido interno, que detectam a rotação da cabeça e assistem ao equilíbrio corporal.
Os animais capazes de manter temperaturas corporais quentes, como os mamíferos, tiveram que passar por uma alteração da forma e tamanho dos seus canais auditivos para permanecerem funcionais. Isto significa que a estrutura do ouvido pode ser usada como um indicador preciso para determinar quando se deu a evolução da endotermia.
Até agora, a opinião mais consensual apontava para que a endotermia tivesse sido alcançada há cerca de 252 milhões de anos, por volta do aparecimento dos Cynodontia, um grupo de antepassados dos mamíferos. Estes novos resultados vêm sugerir que a endotermia surgiu muito mais tarde e que muitos dos primeiros cinodontes – muitas vezes retratados como animais com pêlo e de sangue quente – eram, na verdade, muito diferentes dos mamíferos.
Esta descoberta vem assim mostrar que a endotermia terá surgido na mesma época em que evoluíram outras características observáveis de mamíferos, como a diversificação de funções das diferentes partes da coluna vertebral ou a aparecimento de bigodes e/ou pêlos.
Segundo Ricardo Araújo, Investigador do Instituto de Plasmas e Fusão Nuclear, Instituto Superior Técnico, Universidade de Lisboa e co-autor principal do artigo: “Contrariando a opinião científica actual, o nosso artigo vem demonstrar de forma surpreendente que a aquisição da endotermia parece ter ocorrido muito rapidamente em termos geológicos, em menos de um milhão de anos. Não foi um processo gradual e lento ao longo de dezenas de milhões de anos, como se pensava anteriormente, mas talvez tenha sido alcançado rapidamente ao ser desencadeado por novos mecanismos metabólicos como os dos mamíferos e pela origem do pêlo”.
Alguns dos fósseis estudados foram descobertos no âmbito do Projecto PaleoMoz em Moçambique. Este trabalho obteve, entre outros, financiamento por parte da Fundação Aga Khan para o Desenvolvimento, Fundação para a Ciência e Tecnologia e National Geographic Society.