Ciência e Tecnologia

Nobel da Física 2025 – Descoberta da física quântica “abre portas para novas tecnologias”

Professores do Técnico comentam a atribuição do Prémio Nobel a John Clarke, Michel H. Devoret e John M. Martinis pela descoberta do efeito túnel macroscópico da mecânica quântica.

Emmanuel Zambrini Cruzeiro, professor do Técnico e investigador no Instituto de Telecomunicações (IT), e Paulo Freitas, professor do Técnico e investigador no Instituto de Engenharia de Sistemas e Computadores – Microsistemas e Nanotecnologias (INESC-MN), partilham a sua visão sobre o Prémio Nobel da Física 2025. Atribuído a John Clarke, Michel H. Devoret e John M. Martinis pela descoberta do efeito túnel macroscópico da mecânica quântica.

Como explica os trabalhos premiados pelo Nobel da Física 2025? De que forma justificam a atribuição do Nobel?

Emmanuel Zambrini Cruzeiro (EZC) – A física quântica é fascinante porque funciona surpreendentemente bem, explicando o mundo, por vezes, contraintuitivo microscópico das partículas e átomos. Por outras palavras, oferece-nos um “livro de receitas matemático” relativamente simples para prever resultados de experiências à escala microscópica. No entanto, não há nada na teoria que implique que ela não se aplique a maiores escalas. Um dos maiores problemas fundamentais em aberto na física é a questão de saber se a física quântica se aplica a objetos maiores, ou se existe alguma limitação. Por enquanto, a física quântica desafiou todas as nossas tentativas de a contradizer por via experimental. Se encontrarmos uma limitação relacionada com o tamanho de um sistema, isso poderá guiar-nos na direção da próxima teoria da natureza. O prémio Nobel, deste ano, homenageia o trabalho de três físicos que demonstraram que um efeito quântico, o efeito de túnel quântico, é possível para correntes constituídas de (na ordem de) milhões de eletrões. Neste sentido, a corrente pode ser vista como macroscópica e, portanto, o prémio foi atribuído pela demonstração do efeito de túnel quântico a nível macroscópico.

Paulo Freitas (PF) – O trabalho premiado evidencia a primeira evidência experimental de um efeito túnel quântico macroscópico. Os três físicos que ganharam o prémio Nobel trabalhavam em circuitos supercondutores integrados (num chip) que contêm junções Josepshon (uma junção de efeito túnel entre dois supercondutores separados por uma barreira isoladora fina (1 a 2nm). Descobriram que o circuito desenvolvido tem um comportamento macroscópico quantificado, podendo ser tratado como uma partícula na presença de uma barreira, partícula esta com um comportamento quântico (probabilidade não nula de atravessar a barreira). O estado do circuito pode ser alterado por micro-ondas ou por uma tensão aplicada à junção.

Que avanços para a ciência resultaram do trabalho destes investigadores? Que benefícios poderão ainda trazer no futuro?

PF – O trabalho em circuitos supercondutores iniciou-se nos anos 80 tendo em vista baixar o consumo de energia e aumentar a rapidez de processamento em supercomputadores. Deste trabalho inicial resultaram os SQUIDS (superconducting interference devices) utilizados como magnetómetros de precisão por exemplo em magnetoencefalografia. Outras aplicações em eletrónica ultrarrápida utilizam circuitos supercondutores. Mais diretamente ligado ao trabalho que agora foi premiado, os QUBITs (quantum bits) supercondutores estão na base de grande parte dos protótipos de computadores quânticos que estão agora a ser desenvolvidos.

EZC – Os resultados dos cientistas homenageados foram importantes no desenvolvimento de componentes para a computação quântica, componentes esses baseados nas chamadas junções Josephson. Esses aparelhos permitem fazer circular corrente com muitas partículas num material supercondutor, e essa corrente manifesta propriedades quânticas. Isso permite realizar uma unidade de informação, o bit quântico (QUBIT), neste caso um bit quântico supercondutor, que pode estar numa superposição de estados (por exemplo ligado e desligado). Fundamentalmente, muito mais do que isso – trouxeram a confirmação que a física quântica é verificada para sistemas relativamente grandes, na ordem de um milhão de eletrões. Certamente mais benefícios virão do trabalho que prossegue com esta linha de investigação, por exemplo hoje em dia já se observaram efeitos quânticos em moléculas. Isso abre as portas para novas tecnologias.

 

Que outros avanços na física gostaria de ter visto serem laureados com o Nobel deste ano?

EZC – Existem várias possibilidades, fiquei satisfeito por ver que este ano o prémio está associado a física quântica e tecnologias quânticas, mas existem outros desenvolvimentos nestas áreas que também merecem atenção. Um exemplo fascinante são as novas tecnologias de deteção de fotões únicos, que vão revolucionar a ciência de forma transversal. Outras áreas da física poderiam ter sido contempladas, como por exemplo a cosmologia, a matéria condensada e a fusão, áreas nas quais tem havido também muitos progressos.

PF – Avanços recentes em materiais topológicos, novas heteroestruturas funcionais, desenvolvimento de sensores quânticos.


De que forma é que o trabalho que desenvolve se relaciona com o dos premiados?

PF – O INESC-MN trabalha desde 1997 em junções de efeito túnel de spin, um dispositivo quântico onde eletrões atravessam uma barreira isoladora cristalina ou amorfa por efeito túnel quântico. O coeficiente de transmissão depende da polarização de spin de cada lado da barreira bem como da orientação da magnetização de cada lado da barreira (elétrodos magnéticos). Este conceito, inicialmente proposto por Julliere (anos 80), é agora utilizado numa série de dispositivos desde memórias magnéticas não voláteis (MRAM), cabeças de leitura em disco duro, e numa variedade de sensores magnéticos (sensores de campo, bússolas integradas, sensores de corrente, sensores angulares e lineares, outros).

EZC – No IT / Técnico, uma das linhas principais de investigação do nosso grupo estuda fenómenos quânticos à escala macroscópica. Mais especificamente estudamos correlações quânticas e como identificá-las em sistemas macroscópicos. Atualmente, já foram demonstradas propriedades quânticas com muito mais do que um milhão de partículas, e para prosseguir é preciso desenvolver tanto ferramentas experimentais como teóricas, o que torna a questão ainda mais estimulante.

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