Ciência e Tecnologia

Nobel da Física – um comentário do Técnico

Prémio foi atribuído a cientistas que desenvolveram experiências para detetar o comportamento dos eletrões à escala do attossegundo.

Anunciados esta terça-feira, os vencedores do prémio Nobel da Física de 2023 são Anne L’Huillier, Ferenc Krausz e Pierre Agostini. Os cientistas foram laureados pelas suas contribuições para a observação do comportamento dos eletrões, utilizando pulsos de luz na escala do attossegundo (que corresponde a 0,00 000 000 000 000 000 1 segundos).

Vários docentes, investigadores e outros membros da comunidade do Técnico reagiram à atribuição do prémio em órgãos de comunicação social, explicando a ciência na qual este fenómeno assenta e os seus usos:

Marta Fajardo, professora do Departamento de Física do Técnico e investigadora no Instituto de Plasmas e Fusão Nuclear (IPFN), oferece a sua perspetiva em relação à atribuição deste prémio:

 

Falamos de um novo método para estudar o comportamento dos eletrões. Que fenómenos será possível passar a observar mais claramente?

Marta Fajardo (MF): Este método veio revolucionar toda a aquisição de fenómenos físicos ultrarrápidos. Como no caso da fotografia, se queremos fotografar objetos em movimento, usamos um flash de luz que ilumina a cena num instante, durante o qual tudo parece imóvel. Podemos então agora fazer imagens de qualquer processo ultrarrápido em “câmara lenta”, porque conseguimos iluminações que duram apenas alguns attossegundos. Onde antes só conseguíamos ver o antes e depois de qualquer estado, agora conseguimos ver as transições ultrarrápidas. As aplicações são inúmeras, da Química, Física do Estado Sólido, Eletrónica…. Por exemplo, mediu-se recentemente que o efeito fotoelétrico tem uma duração de cerca de 45 attossegundos.

Utiliza esta tecnologia na pesquisa em que está envolvida?

MF: Sim, já estamos a usar essa tecnologia há vários anos, por exemplo para fazer imagens de plasmas densos, no contexto da fusão nuclear por laser. Uma das coisas que não se sabe bem é quão rápido os eletrões aquecem quando um laser irradia um sólido, e quão lentamente perdem a sua energia para os iões. No laboratório VOXEL [inserido no IPFN] fizemos vídeos de plasmas de titânio, passando do estado sólido para o de plasma. Para isso, usámos Harmónicas Elevadas de um laser ultrarrápido, a tal fonte de luz ultrarrápida que recebeu ontem o prémio Nobel, para iluminar o nosso plasma. Também fazemos brincadeiras com essa luz, como controlar a sua forma espacial e até pô-la a propagar-se em forma de fusilli.

Que áreas serão beneficiadas com o desenvolvimento desta tecnologia? Que melhorias e avanços poderão daí advir? 

MF: Toda a investigação de processos ultrarrápidos beneficia desta técnica. Mais avanços virão quando dominarmos a computação fotónica, porque as velocidades de ciclos por segundo que se podem alcançar com a luz são muito superiores às da eletrónica convencional.

Que outros avanços na área da Física gostaria de ter visto serem laureados com o Nobel deste ano? 

MF: Imediatamente podemos pensar no sucesso da fusão nuclear com lasers, que fez a demonstração de ganho em energia no ano passado, e este ano repetiu o feito com um ganho ainda maior. 

Anne L’Huillier é a quinta mulher laureada com o Nobel da Física, entre os 224 investigadores premiados desde 1901. Que comentário faz à valorização do papel das mulheres cientistas, em particular nos últimos anos?

MF: É muito importante haver mulheres a receber o Nobel, por demonstrar que a Física não é um clube de rapazes, especialmente para as jovens que aspiram a ser cientistas. As descobertas do Nobel costumam ser relativamente consolidadas e, portanto, feitas há anos atrás, quando não havia praticamente raparigas na investigação. Com o tempo, inevitavelmente vão aparecer muito mais mulheres laureadas.