Ciência e Tecnologia

Nobel da Medicina 2025: “muito transversal e impactante, com potencial para beneficiar inúmeras áreas”

Tiago Fernandes, professor do Técnico, comenta a importância do trabalho premiado com o Prémio Nobel de Fisiologia ou Medicina 2025.

 

“Estas descobertas abriram um novo campo de investigação e permitiram compreender melhor doenças autoimunes e cancro, e já inspiraram tratamentos atualmente em ensaios clínicos”. Tiago Fernandes, professor do Técnico e investigador no  Instituto de Bioengenharia e Biociências (iBB), comenta as implicações do trabalho de Mary Brunkow, Fred Ramsdell e Shimon Sakaguchi, premiado com Nobel em Medicina e Fisiologia 2025. “Justifica-se plenamente o Nobel. Antes deste trabalho, não se compreendia por que razão algumas pessoas desenvolviam doenças autoimunes graves”, complementa.

Tiago Fernandes esclarece algumas perguntas em torno do trabalho premiado este ano pelo Instituto Karolinska.

Como explica a importância dos trabalhos premiados? De que forma justificam a atribuição do Nobel?
Tiago Fernandes (TF) – Todos os anos acompanho os anúncios do Comité dos Prémios Nobel com muito interesse. Este ano o comité decidiu atribuir o prémio Nobel em Medicina e Fisiologia a três investigadores – Mary Brunkow, Fred Ramsdell e Shimon Sakaguchi – pelas suas descobertas sobre como o sistema imunitário distingue os “inimigos” que deve atacar (os agentes patogénicos) e os “amigos” que deve proteger (as células do próprio corpo). Em particular, eles descobriram um tipo específico de células, chamadas células T reguladoras (ou Treg).

As Tregs funcionam como árbitros num jogo de futebol: enquanto as outras células do sistema imunitário estão focadas em atacar e defender contra doenças e invasores, as Tregs são responsáveis por garantir que as regras são cumpridas, impedindo que o sistema imunitário cometa faltas, como atacar as próprias células do corpo por engano. Assim, as Tregs suprimem respostas desnecessárias ou perigosas, evitando danos colaterais.

Antes destas descobertas, pensava-se que o controlo do sistema imunitário se dava maioritariamente na fase de maturação das células T (no timo). Estes investigadores mostraram que existe uma camada adicional de controlo, fora do timo, chamada tolerância imunitária periférica, exercida pelas Tregs.
Na minha opinião, isto justifica plenamente o Nobel. Antes deste trabalho, não se compreendia por que razão algumas pessoas desenvolviam doenças autoimunes graves. Estas descobertas abriram um novo campo de investigação e permitiram compreender melhor doenças autoimunes e cancro, e já inspiraram tratamentos atualmente em ensaios clínicos.
O reconhecimento deste trabalho com o Nobel é também uma homenagem a décadas de investigação básica num tema que parecia “simples”, mas que se revelou absolutamente fundamental para a medicina de precisão, terapias celulares, imunoterapia do cancro e gestão de doenças autoimunes.

Que avanços para a ciência resultaram do trabalho destes investigadores? Que benefícios poderão ainda trazer no futuro?
TF –
Existem já ensaios clínicos a explorar terapias baseadas em células Tregs para tratar doenças autoimunes, pessoas transplantadas (para evitar rejeição) e alguns tipos de cancro.
Este trabalho abriu a porta para o entendimento das doenças autoimunes, como a diabetes tipo 1 ou a Lúpus. Também no contexto do Cancro encontramos potenciais aplicações. Por exemplo, poderá ser possível aprender a “desligar” as Tregs para melhor podermos atacar seletivamente células tumorais.

Finalmente, no contexto do transplante de órgãos e células, poderá ser possível actuar sobre, ou manipular, as Tregs para reduzir a rejeição de enxertos celulares ou órgãos, minimizando efeitos secundários da transplantação.

Que outros avanços na medicina gostaria de ter visto serem laureados com o Nobel deste ano?
TF – Esta é uma questão aberta e muito pessoal. Considero que historicamente o prémio Nobel é sempre limitado. Há muitos avanços meritórios que todos os anos ficam de fora.
Pessoalmente, num futuro próximo, gostaria de ver reconhecidos os progressos feitos na área das doenças do neurodesenvolvimento, e os avanços na compreensão da neurobiologia das doenças do espectro do autismo.
Dito isto, gostaria de deixar claro que o prémio deste ano destaca um campo muito transversal e impactante, com potencial para beneficiar inúmeras áreas.

De que forma é que o trabalho que desenvolve se relaciona com o dos premiados?
TF –
Considerando o trabalho que desenvolvo, em conjunto com outros colegas do Técnico e do Departamento de Bioengenharia, vejo uma relação direta entre estes desenvolvimentos e a nossa investigação: compreender o controlo da resposta imunitária é fundamental para o sucesso do transplante e da utilização clínica de células geradas in vitro, tanto para evitar rejeição como para prevenir complicações autoimunes.
A descoberta das células Tregs abrem a perspetiva de, no futuro, ser possível promover imunotolerância em transplantes de tecidos derivados de células estaminais, aumentando a segurança e eficácia terapêutica nestes contextos.
É expectável que técnicas capazes de estimular ou modular estas células venham a ser integradas em protocolos clínicos para minimizar efeitos adversos pós-enxerto, tanto em modelos pediátricos como adultos, respondendo a desafios importantes da biomedicina regenerativa e personalizada.