Uma equipa de investigadores verificou que os peixes detetam alterações na velocidade e profundidade da água e que, através de ajustes comportamentais, são capazes de reduzir o gasto energético associado à locomoção. O estudo foi realizado num canal experimental em laboratório, com o objetivo de simular as rápidas alterações de caudal que ocorrem nos rios a jusante das centrais hidroelétricas. Neste estudo interdisciplinar, financiado pelo Programa-Quadro comunitário de Investigação e Inovação Horizonte 2020 (Projeto FIThydro), estiveram envolvidas a unidade de investigação do Técnico, CERIS—cujo Laboratório de Hidráulica foi o palco principal da investigação-, e o Centre for Biorobotics da Universidade Tecnológica de Tallinn, que desenvolveu um sensor de pressão, correspondendo a uma linha lateral artificial, tendo por base os princípios sensoriais da linha lateral dos peixes.
Os resultados, recentemente publicados na revista PLoS ONE, sugerem que a presença de obstáculos e a consequente alteração das condições hidráulicas podem ser utilizadas como pistas para os peixes detetarem áreas de refúgio favoráveis em condições de elevada variabilidade de caudal. Segundo Maria João Costa, investigadora do CERIS e autora do artigo, “desconhecem-se as alterações que ocorrem no comportamento dos peixes em relação às fortes variações de caudal que podem ocorrer a jusante de centrais hidroelétricas. A rápida expansão da produção de energia hidroelétrica e a incerteza inerente às alterações climáticas requerem que os efeitos da variabilidade do caudal turbinado nas centrais hidroelétricas sejam estudados na ‘perspetiva dos peixes”.
Os peixes processam a informação do ambiente que os rodeia através de um sistema sensorial altamente especializado, a linha lateral. Este sistema consiste num conjunto de células ciliadas que se encontram dispostas numa série de canais tubulares ou à superfície do corpo e que são sensíveis a pequenos movimentos na água. Este foi o primeiro estudo onde a observação do comportamento individual e em grupo dos peixes se aliou a uma nova tecnologia biomimética.
Os barbos pertencem a uma subfamília representativa nos rios Europeus e habitam geralmente zonas mais profundas, com substrato grosseiro e velocidade de corrente mais baixa. Estes peixes são fundamentais para a estrutura das comunidades piscícolas e para a integridade ecológica dos ecossistemas fluviais. “Verificámos que o barbo Ibérico reage à variação de caudal de formas muito distintas, tanto individualmente como em grupo. Importa perceber se a sua capacidade natural para percecionar as condições hidráulicas permite que se adaptem ao stress imposto”, referiu Isabel Boavida, investigadora do CERIS e também coautora do artigo.
“Foi muito interessante constatar a relação entre as variáveis de pressão obtidas através da linha lateral artificial e o comportamento do barbo Ibérico. Esta foi uma oportunidade única para combinar investigação em tecnologia de sensores com a observação de respostas biológicas, algo que raramente é estudado”, declara por sua vez, Jeffrey Tuhtan, um dos investigadores principais do Centre of Biorobotics e também coautor do estudo.
Atualmente, reconhece-se que a biodiversidade dos ecossistemas fluviais está em declínio. Este tipo de soluções, baseadas em princípios fundamentais da natureza, tem ganho relevância para impulsionar a resiliência das comunidades biológicas face aos efeitos das alterações climáticas. “É natural que olhemos para estes organismos e para as suas características adaptativas. Eles evoluíram criteriosamente para sobreviver e persistir”, disse Juan Francisco Fuentes-Pérez, investigador no Centre for Biorobotics e coautor do estudo.
No entanto, o professor António Pinheiro, docente de Hidráulica do Técnico e também coautor do estudo realça que há ainda “um longo caminho a percorrer no que respeita ao conhecimento do sistema sensorial dos peixes. Estes sistemas, altamente especializados, permitiram a adaptação e sobrevivência destes organismos durante Eras, e não é fácil, recorrendo à tecnologia disponível, compreender o seu funcionamento e as consequentes respostas dos peixes”.
O conhecimento do sistema sensorial dos peixes e dos mecanismos de resposta às rápidas alterações de caudal pode auxiliar a comunidade científica a desenvolver novas soluções biomiméticas que assegurem a resiliência destes organismos face à crescente necessidade de utilização dos recursos hídricos e à inevitabilidade das alterações climáticas. Com mais de 500 milhões de anos de evolução, é provável que os peixes tenham aprendido alguns truques para se adaptarem ao meio circundante e persistirem até hoje com grande sucesso.