Ciência e Tecnologia

Projeto liderado pelo Técnico desenvolveu método para purificar água recorrendo a energia solar

Solar2Clean recorre à ação de fotocatalisadores, substâncias que aceleram a decomposição de poluentes para os seus subprodutos não tóxicos.

Pode a luz solar limpar eficazmente a água? Esse foi o desafio que o projeto Solar2Clean, liderado por docentes e investigadoras do Instituto Superior Técnico, se propôs a enfrentar, tendo como objetivo desenvolver estratégias sustentáveis com base na energia solar para transformar água poluída – contaminada com antibióticos, corantes e microplásticos – em água tratada.

Liderado por Ana C. Marques (na foto) e Susete Dias, docentes da Escola e investigadoras do Centro de Recursos Naturais e Ambiente (CERENA), o Solar2Clean centrou-se na  fotocatálise, um processo no qual a luz ativa um material – o fotocatalisador – capaz de decompor poluentes nocivos em subprodutos não tóxicos. A fotocatálise tem mostrado grande potencial em ambiente laboratorial. No entanto, aplicar essa tecnologia de forma eficaz no mundo real continua a ser um desafio. O Solar2Clean procurou ultrapassar esses obstáculos através da inovação em materiais e do design de reatores.

 Os materiais desenvolvidos foram aplicados com sucesso na degradação de antibióticos – uma preocupação crescente devido à sua persistência nas águas residuais e ao seu contributo para a resistência antimicrobiana. Esta questão é particularmente relevante em Portugal, onde empresas farmacêuticas produtoras desses compostos procuram soluções eficazes para remover os resíduos de antibióticos dos seus efluentes antes do descarte nos sistemas municipais de águas residuais.

O projeto reuniu uma equipa multidisciplinar do Técnico, em parceria com um grupo da universidade suíça ETH Zurich. O projeto com quase quatro anos de duração combinou ciência de materiais avançada, engenharia ambiental e colaboração internacional para superar limitações das tecnologias tradicionais de tratamento de água. Recebeu estudantes e investigadores de oito países, resultando em 13 publicações em revistas científicas com revisão por pares, 15 comunicações orais e 9 teses académicas.

Uma grande dificuldade associada aos fotocatalisadores é o facto de serem geralmente nanopartículas difíceis de recuperar após o uso e de poderem representar riscos ambientais. Para resolver este problema, a equipa desenvolveu e otimizou a síntese dos MICROSCAFS® (registados internacionalmente no âmbito do projeto) – microesferas compostas principalmente por sílica que funcionam como suportes para as nanopartículas responsáveis pela fotocatálise. Estas estruturas não só facilitam o manuseamento e a reciclagem, como podem ser parcialmente compostas por dióxido de titânio – o próprio fotocatalisador – tornando-as ativas por si só. Além disso, graças a uma colaboração internacional com a Universidade Ca’ Foscari de Veneza, foi desenvolvida uma via de síntese mais sustentável, utilizando sílica derivada da casca de arroz, valorizando este resíduo e melhorando ainda mais o impacte ambiental do projeto.

Outra limitação dos fotocatalisadores convencionais é a sua dependência da luz ultravioleta (UV), que representa apenas cerca de 5% da radiação solar. Para aumentar a sua aplicabilidade, a equipa desenvolveu fotocatalisadores dopados, capazes de absorver luz de outras frequências e posteriormente convertê-la em luz UV utilizável, melhorando significativamente a eficiência solar global do sistema.

O projeto Solar2Clean, financiado pela Fundação para a Ciência e Tecnologia (FCT), também demonstrou como uma abordagem combinada de radiação gama e fotocatálise pode tornar os microplásticos, como o polietileno, suscetíveis à biodegradação. Esta configuração permitiu a operação contínua e evidenciou a aplicabilidade prática dos materiais em cenários reais diversos, incluindo o tratamento de águas residuais industriais.