A professora Ana Ferreira, antiga aluna de Engenharia Física Tecnológica no Técnico e atualmente docente da University College London (UCL), foi uma das investigadoras portuguesas contempladas com uma das prestigiadas bolsas “Consolidator Grant’, atribuída pelo Conselho Europeu de Investigação (ERC, na sigla em inglês).
A bolsa no valor de 2,84 milhões de euros permitirá à professora Ana Ferreira compreender o movimento de subida para a superfície da Terra do material rochoso que compõe o manto terrestre. O manto – que controla a ocorrência de sismos e erupções vulcânicas – é a camada da estrutura interna da Terra que fica entre a crosta e o núcleo. Entre os cerca de 30 e 660 quilómetros de profundidade há um manto superior. E entre os 660 e os cerca de 3000 quilómetros de profundidade há um manto inferior.
O projeto UPFLOW- Upward mantle flow from novel seismic observations – irá analisar pela primeira vez a estrutura do fluxo ascendente no manto na região do Atlântico onde se localizam os arquipélagos dos Açores, Madeira e Canárias, tentando “compreender o movimento de subida para a superfície da Terra do material rochoso que o compõe”, tal como explica a alumna do Técnico.
A docente da UCL evidencia que “o manto controla a ocorrência de sismos e erupções vulcânicas. “O seu movimento de subida para a superfície controla a libertação de gases naturais para a atmosfera, influencia a evolução dos continentes, produziu mega-erupções vulcânicas há milhões de anos e pode vir a causar novas mega-erupções no futuro”, acrescenta a sismóloga.
Nesta viagem ao manto terrestre e para cumprir o propósito do projeto, a professora Ana Ferreira e a sua equipa irão realizar uma experiência sísmica passiva no Atlântico, colocando cerca de 40 OBS (sismómetros submarinos) no fundo do oceano na região dos Açores, Madeira e ilhas Canárias. Estes aparelhos registarão de forma contínua a sismicidade natural, permitindo assim reconstituir o fluxo geológico ascendente. Esta experiência, inédita permitirá uma resolução da ordem dos 100-200 km, até uma profundidade de cerca de ~1,000-1,500 km. “É a primeira vez que uma experiência desta escala e duração vai ocorrer na região dos Açores, Madeira e ilhas Canárias, o que vai trazer dados únicos para compreender a sismicidade e vulcanismo da região e, mais globalmente, a dinâmica interna do nosso planeta”, salienta a alumna do Técnico.
O UPFLOW, coordenado pela professora Ana Ferreira, resulta de uma colaboração entre a docente, o Instituto Português do Mar e da Atmosfera (IPMA), Instituto Dom Luiz (IDL), a Université Paris-Sud e o GFZ da Alemanha. O IPMA irá contribuir para o projeto com o navio de investigação português Mário Ruivo que transportará os instrumentos assim como a equipa científica que vai colocar os sismómetros no fundo do oceano. “Passados 18 meses, o navio será novamente utilizado para recolher os instrumentos”, partilha a professora Ana Ferreira. “O IPMA contribui também com a sua experiência em geofísica marinha e o conhecimento geofísico da região dos Acores e Madeira”, destaca ainda a docente. O IDL estará também envolvido na experiência sísmica, contribuindo com alguns sismómetros de fundo oceano construídos pela equipa, e participando ainda na análise e modelação dos dados sísmicos e na sua interpretação geológica e geofísica, “dada a extensa experiência dos colegas nesta área”, tal como assinala a sismóloga.
O projeto coordenado pela antiga aluna terá início já em 2021 e a duração de 5 anos. O valor da bolsa ERC será usado para fins distintos. “Cerca de 1 milhão de euros vão ser usados para a experiência sísmica passiva no Atlântico. O resto será sobretudo para contratar 3 investigadores de postdoc e um estudante de doutoramento, e também em missões do projeto”, partilha a professora Ana Ferreira.
Através deste projeto a equipa composta por cientistas portugueses conseguirá perceber se é provável virem a ocorrer novas mega-erupcões no futuro. No entanto, a sismóloga frisa que o objetivo direto “é perceber a natureza do movimento atual de subida de material do manto para a superfície terrestre”. Além disso, no âmbito do UPFLOW serão também desenvolvidos métodos computacionais altamente inovadores, para construir imagens sísmicas de alta resolução da região.
Numa viagem que desta feita é pelo tempo, a antiga aluna recorda que durante o terceiro ano no Técnico começou a interessar-se por áreas mais aplicadas da Física, tais como a biofísica e a geofísica. Nessa altura falou “com o professor João Fonseca que era a única pessoa na área da geofísica no Departamento de Física do Técnico, e fiquei mais inclinada para a geofísica do que para a biofísica”.
Não demoraria muito até a docente conseguisse confirmar esta inclinação e descobrir a paixão pela sismologia. A certeza chegaria no quarto ano de estudos, enquanto estudava física e geofísica na École Polytechnique, e fez um estágio de investigação no Institut de Physique du Globe de Paris. “Foi nessa altura que percebi que esta era mesmo a área em que eu queria trabalhar no futuro e fazer doutoramento”, conta a investigadora. O sucesso que tem atingido e que agora se reflete nesta bolsa ERC mostra que a escolha foi certeira.