A cerimónia solene de abertura do ano académico é habitualmente um momento único no ano letivo da Universidade de Lisboa(ULisboa), mas este ano foi muito mais do que isso. Esta quinta-feira, 20 de setembro, a celebração teve contornos especiais: um cortejo académico mais extenso que o habitual liderado pelo Presidente da República também devidamente trajado com a toga preta; uma audiência repleta onde várias individualidades nacionais de relevo se destacavam; mas desta vez e aí sim reside a principal diferença, mais do que uma tradicional ocasião de renovação e de receção aos novos alunos, este foi um momento de emoção, o encerrar de uma jornada memorável de um dos professores mais icónicos da ULisboa.
O centro das atenções era obviamente deste o início a lição de jubilação do Presidente da República (PR), o professor Marcelo Rebelo de Sousa. Porém houve mais para além desse instante e tanto a acrescentar ao mesmo. E tudo começou logo na primeira intervenção da aluna Teresa Valido e membro do Conselho Geral da ULisboa que chamou ao palco Alexandre Passo, presidente da Associação dos Estudantes do Instituto Superior Técnico para entregar ao PR uma capa do traje académica, aquela que consideram a “melhor forma de representar os estudantes”, composta por 19 emblemas e como forma de agradecer o “contributo de vossa excelência para connosco, para com a nossa escola”. Readquiria a palavra Teresa Valido para frisar que a ULisboa é cada vez mais uma universidade para o mundo, “líder dos principais rankings internacionais e pertencente ao conjunto das 200 melhores universidades do mundo”. “Ser estudante desta universidade é acima de tudo viver num espaço onde podemos ser aquilo que sonhamos ser e de onde sairemos um dia preparados e capacitados para sermos a mudança que queremos ver no mundo”, assinalava a aluna da Faculdade de Medicina.
Depois da intervenção da funcionária Ana Rigueiro, foi a vez do professor António Cruz Serra proferir o seu discurso, dentro do estilo frontal e defensor dos direitos da sua Universidade a que já nos habituou. Porém não foi por aí que começou , focando-se antes de tudo no célebre momento que integra a cerimónia, e nos novos estudantes, dirigindo-lhes palavras de acolhimento e de encorajamento: “Encorajamento para continuarem a estudar, para desenvolverem em liberdade todas as suas capacidades humanas, artísticas, técnicas e científicas”, dizia o professor António Cruz Serra. “A cada momento em que decidam não desistir, tomarão melhor consciência do vosso lugar no mundo. Ganharão independência e capacidade crítica”, acrescentava de seguida. Depois de reforçar a capacidade que a Universidade tem que ter para “formar gerações de líderes adaptáveis, rigorosos, resilientes”, o reitor abordou algumas das adversidades dos últimos tempos, nomeadamente a recente redução de vagas na instituição que lidera.
Apelando para que não se prejudique os alunos e as famílias em prol da desta tentativa de desenvolver o interior, o professor António Cruz Serra salientou a necessidade de haver “racionalidade na oferta formativa superior”, referindo a sobreposição de ofertas e não esquecendo algumas medidas legislativas e determinadas questões orçamentais que tem prejudicado a ULisboa. “Ressalvadas as surpresas desagradáveis”, como o próprio disse, o reitor aproveitou a ocasião para enumerar as obras de reabilitação e algumas das infraestruturas que serão construídas ou inauguradas neste novo ano, nomeadamente o novo centro académico do Técnico na antiga Gare do Arco do Cego. O reitor voltou depois a dirigir-se ao PR definindo-o como “um dos mais brilhantes estudantes da Faculdade de Direito e um seu eminente professor” e “uma personalidade exemplar, dotada de uma inteligência excecional, empenhada desde sempre no combate às injustiças sociais e à causa da educação, desenvolvendo, nas diferentes facetas da sua atuação, uma notável intervenção cívica”.
Minutos antes e na sua alocução, Leonor Beleza, presidente do Conselho Geral da Universidade de Lisboa lembraria o “momento tão inédito como dificilmente repetível” que hoje se viveria na Aula Magna. E assim foi. O professor Marcelo Rebelo de Sousa calou o presidente para dar a palavra ao docente, na lição de sapiência, a última aula que antecede a jubilação. Conduzindo a audiência a uma viagem na história, falou destes 52 anos de vida académica, mas não falou só de si, lembrou as mudanças do mundo dentro do país e do mundo. De década em década, lembrou o dia em que entrou na universidade como caloiro, os momentos mais felizes até este dia em que se despediu da “verdadeira vocação da sua vida”. Não esqueceu a paixão que o comandou durante todos estes anos, e ao caminhar para o fim de uma verdadeira e fascinante aventura não podia deixar de “agradecer a esta universidade a vida inesquecível que me proporcionou”, afirmou emocionado, agradecendo a mestres, colegas e alunos, alguns deles na assistência. “A minha universidade foi sempre a minha praça-forte, a minha casa mater, o meu último refúgio. Tudo quanto fiz ou faço em tantos outros domínios fi-lo a partir dela e por causa dela. O professor que, por ser professor, o era nas lides públicas, e com mais ouvintes do que os que cabiam no anfiteatro 1 da universidade”, acrescentava ainda.
Foram várias as vezes em que o PR deixou que a emoção lhe abrandasse o discurso, foram outras tantas as vezes em que a plateia não se coibiu de o interromper com um aplauso. Por fim, calou o professor e deixou falar o presidente, para transmitir uma palavra de esperança. “Esperança, nesta universidade e em todas as universidades portuguesas, esperança no futuro da educação como penhor da liberdade, igualdade e solidariedade”. O público respondeu-lhe com uma ovação imensa e que perdurou por vários minutos. Agora e como num sumário de Sebastião da Gama que o PR invocou no seu discurso o professor Marcelo Rebelo de Sousa deixa a sala de aula mas continuará a transmitir os seus ensinamentos, “no pátio, e na rua, e no vapor, e no comboio, e no jardim, onde quer que nos encontremos”.