Campus e Comunidade

“A riqueza do INESC-ID é a sua massa crítica”

Entrevista ao professor Leonel Sousa no âmbito das comemorações do aniversário do centro de investigação.

O passado, o presente e o futuro guiaram a entrevista ao professor Leonel Sousa (L.S), presidente do INESC-ID, no mês em que se assinalam os 20 anos da instituição. O “caminho das pedras” que se foi fazendo e a excelência dos recursos humanos que ajudaram a trilhá-lo, o crescimento que se fez com foco na qualidade e as adversidades que se impõem a quem lidera as instituições foram alguns dos temas abordados ao longo da entrevista. O futuro, esse, ainda que com a incerteza que lhe está inerente, poderá contar com o contributo do INESC-ID.

Estamos no rescaldo da cerimónia que comemorou os 20 anos do INESC-ID. Como correu a celebração? Que critérios seguiram na construção do programa da cerimónia?

L.S: Correu muito bem, contámos com a presença do senhor Ministro da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior que foi muito elogioso em relação ao trabalho que temos desenvolvido nos últimos anos. Foi uma cerimónia muito concorrida e 7 horas muito interessantes, com muitas oportunidades de convívio entre os nossos colaboradores. Tiveram lugar dois painéis muito interessantes: um deles dedicado ao futuro da investigação e aos principais tópicos em que se prevê que a investigação na nossa área irá incidir nos próximos anos; e um segundo de alumni que passaram pelo INESC-ID e que criaram as próprias empresas, que salientaram nas suas intervenções o papel do INESC-ID na sua formação a vários níveis, e isso é algo que muito nos honra e orgulha.

Voltemos atrás no tempo então. Sente que ao fim destes 20 anos o objetivo pelo qual o INESC- ID foi criado tem sido cumprido e até muitas vezes acrescentado?

L.S: Sendo muito honesto não traçámos inicialmente muitos objetivos. Houve uma necessidade, porque na altura o governo entendeu que se deviam separar as atividades do INESC. Quando nos desafiaram para fazer esta divisão, em alguns “INESCs” foram mantidas as várias vertentes, mas em Lisboa optamos por formar unidades diferentes. O INESC-ID absorveu as pessoas mais orientadas para a investigação.

Inicialmente houve algum desânimo, e pensávamos que iríamos ficar mais frágeis. Portanto, no início disto tudo, em 2000, foi preciso mobilizar, motivar e reiniciar. Estávamos todos a aprender a fazer gestão de ciência, o nosso grande objetivo era motivar as pessoas para fazer investigação de qualidade. Hoje fazemos muito mais do que isso. Passados 20 anos, o INESC-ID é uma organização muito mais complexa. Criámos 7 startups, algumas muito bem-sucedidas, fazemos transferência de tecnologia regularmente, já não somos apenas uma instituição orientada para a investigação. Temos um orçamento anual de 5 milhões de euros e responsabilidades a todos os níveis. Portanto, pode-se dizer que não foi um trajeto completamente delineado, foi-se fazendo o caminho das pedras.

A instituição foi-se adaptando aos tempos, portanto?

L.S: Sem dúvida. A riqueza do INESC-ID é a sua massa crítica, com investigadores de top mundial, com equipas muito boas. E, portanto, essa adaptação passou apenas por juntar competências e vontades, definindo objetivos progressivamente mais ambiciosos, porque o talento está lá e faz o seu papel.

Está no INESC-ID desde que este foi criado, e não é a primeira vez que ocupa a função de presidente, ou que assume uma função de direção. Quais é que são os desafios que se impõem a quem lidera estas instituições?

L.S: O principal desafio é tirar partido do potencial e do talento dos investigadores, dos alunos e dos funcionários. Numa instituição como o INESC-ID tem de haver projetos de grande escala, é preciso atacar problemas que sejam societais, participar em programas europeus com consórcios europeus alargados com uma enorme incidência de internacionalização. Incentivar toda esta atividade é um dos maiores desafios de quem está nestes cargos de gestão.

Para além disso, quem lidera estas instituições continua a fazer um bocadinho de tudo ao mesmo tempo. Eu dou aulas, sou presidente de Departamento de Engenharia Eletrotécnica e de Computadores e sou presidente do INESC-ID. Olhando para o INESC-ID e para a sua dimensão, temos que criar lideranças mais profissionalizadas. O problema é que nós na academia temos muita dificuldade em abandonar a investigação e o ensino. Por outro lado, não sei se uma gestão profissionalizada seria respeitada cientificamente pelos pares, e, portanto, temos aqui dois pratos na balança que é preciso equilibrar, mas julgo que é importante investir mais profissionalmente na liderança das instituições de investigação e do ensino superior.

 Essa dificuldade acaba por também se verificar na carreira de investigador/ professor, certo? Sente que é difícil para muitos investigadores conciliarem estas duas dimensões da carreira?

L.S: Sim, especialmente para as gerações mais novas em que as exigências de investigação são ainda maiores. Estão a competir com colegas do estrangeiro que têm que assegurar apenas duas horas de aulas por semana, enquanto que aqui eles têm 7 ou 8 horas; têm que classificar exames e dos relatórios, etc., enquanto nas escolas de referência internacionais são os assistentes de ensino que fazem essas tarefas. Por isto acredito que temos que convencer as instituições de ensino superior que para ter investigadores de topo e instituições de nível internacional não lhes podemos dar uma carga letiva tão pesada.

“Os desafios são cada vez maiores e isso coloca muita pressão do lado da ciência e da investigação”

É preciso alertar para estas questões para que não se percam grandes carreiras de investigação?

L.S: Sim é, mas não é um desafio que me cabe apenas a mim ou aos meus colegas que presidem a centros de investigação, é uma consciência que as próprias instituições universitárias precisam ter. Temos que funcionar como um todo. Os institutos de investigação devem funcionar um bocadinho como a primeira fase para quem acaba o doutoramento, algo que lhes permita ir fazendo currículo científico e onde são testados para abraçar carreiras universitárias. Temos de ter a capacidade de lhes ir oferecendo posições na Universidade, sem os desmotivar. Estamos a perder muito talento para universidades e institutos de investigação estrangeiros, urge pensarmos numa estratégia conjunta.

Este é um instituto de investigação que toca várias áreas e curiosamente as que estão mais em voga nos dias de hoje. Isto coloca desafios adicionais? Investigar nestas áreas é estar numa corrida contra o tempo?

L.S: É um desafio, mas é simultaneamente uma vantagem de que podemos tirar partido. Temos no nosso domínio áreas que são muito quentes neste momento e os grupos que se dedicam às mesmas começam a crescer a um ritmo maior do que outros e internamente é preciso fazer uma gestão equilibrada. Responder às solicitações externas também pode ser difícil, porque há muitas propostas de projetos focados em áreas específicas e por vezes não temos recursos suficientes, e isso cria-nos desafios adicionais, mas que são bons desafios. Estamos numa área em que as solicitações estão sempre a aparecer e temos de as saber aproveitar.

As pessoas estão sempre a pedir resultados?

L.S: Exatamente. As expetativas são muito altas, as pessoas acham que estas novas áreas vão ser rapidamente capazes de resolver problemas que são muito difíceis, alguns dos quais já antigos, e por isso cada vez exigem mais. Os desafios são cada vez maiores e isso coloca muita pressão do lado da ciência e da investigação, nomeadamente sobre um tipo de investigação que “parece” mais aplicada. Por vezes até nos esquecemos que o que faz tudo isto avançar mesmo a sério é a investigação fundamental, e é preciso ir equilibrando estes dois tipos de investigação e depois fazer colaborar todos os envolvidos.

O INESC-ID é de facto uma instituição com muitas pessoas. Tem sido um crescimento à medida dos desafios?

L.S: Temos crescido sempre de forma muito cuidadosa. Recursos de qualidade, gostávamos de ter mais todos os dias. Temos sido abordados múltiplas vezes por diferentes entidades para ir alargando, mas fazemos isso sempre com muito cuidado. Só temos um polo no Taguspark, que foi criado porque fazia todo o sentido, não quisemos criar mais. Mas sim, é verdade que temos crescido, mas sempre privilegiando a qualidade. Isto dá-nos a garantia que quando crescermos, o nível médio da qualidade também vai aumentar.

É difícil, hoje em dia, atrair jovens para a área da investigação?

L.S: Sim e não. Começaram a aparecer empresas muito interessantes para os jovens doutorados, e que de facto oferecem ordenados com os quais é difícil competir. Mas isso é bom.

Por outro lado, e isso é o que é mais preocupante, começa a haver muitos convites exteriores, e os jovens talentos acabam por aceitar porque querem nesta altura da vida, em que são mais rentáveis, dedicar-se inteiramente à investigação. Por isso está a tornar-se cada vez mais difícil agarrá-los, mas é um trabalho contínuo, do qual não podemos desistir, e também ir tentando atrair um maior número de jovens investigadores estrangeiros para trabalhar em Portugal.

Nós gostávamos de ter mais alunos de doutoramento, mas o mercado chama por eles muito rapidamente. Por outro lado, os próprios jovens não conseguem percecionar o valor que as novas empresas de base tecnológica dão aos doutoramentos. O INESC-ID tem neste momento cerca de 100 alunos de doutoramento e gostava de ter o dobro. Temos bolsas disponíveis, mas de facto não tem sido fácil atrair os melhores para passarem 4 anos a investigar um tema de forma intensiva, com tantos outros apelos.

O INESC- ID dá, cada vez mais, cartas a nível internacional, certo?

L.S: Sim, sem dúvida. Temos a robótica social e inteligência artificial, a bioinformática, os sistemas distribuídos e a computação de alto desempenho, os sistemas de língua falada e da realidade virtual, as áreas da eletrónica e da energia. Temos trabalho muito relevante nestas áreas. Mas, mais do que as áreas, o que eu acho é que nós neste momento estamos muito focados em resolver problemas que são de grande escala, que existem ao nível da sociedade. O que neste momento estamos a tentar é que a nossa investigação resolva problemas reais e complexos. Temos contratos e fazemos transferência de tecnologia, mas não nos substituímos ao desenvolvimento que é feito pelas empresas de Engenharia. Não é esse o nosso papel, nós queremos identificar problemas que, pela sua complexidade e dificuldade, não são resolvidos pelas empresas de Engenharia a nível nacional e internacional. Esse é o nosso principal papel.

É, portanto, uma prioridade fazer uma investigação próxima da sociedade?

L.S: Procuramos que assim seja. Pode fazer-se investigação de ponta que seja próxima da sociedade. Com o aquecimento global e as alterações climatéricas, o grande desafio é percebermos como é que podemos contribuir com as nossas áreas para estas questões. E podemos e queremos contribuir.

Conduzir investigações dessas áreas que tocam a sociedade diretamente é um dos caminhos para aproximar as pessoas da Ciência?

L.S: Sim, sem dúvida. Acho que não conseguimos explicar porque é que a ciência e a investigação são tão importantes, e o problema é muito nosso. É nosso porque nos fechamos um bocadinho numa redoma, porque no dia a dia não fazemos divulgação. Considero que é muito importante divulgar os sucessos da investigação. Nas áreas da saúde, por exemplo, essa aproximação entre a ciência, a investigação e a sociedade é mais fácil de se fazer porque as pessoas sentem diretamente o seu impacto.

“Sem estabilidade e sem previsibilidade é muito difícil dirigir instituições de ciência e investigação”

Com a inteligência artificial também o não será?

L.S: Nunca é diretamente palpável porque quanto temos um carro que conduz sozinho não imaginamos a capacidade computacional que lá está e os algoritmos que foram desenvolvidos para que tal acontecesse. Por isso, é preciso mostrar às pessoas o caminho percorrido para lá chegar, pelo menos enquanto não chegamos lá.

Em termos políticos, acha que Portugal incentiva a investigação?

L.S: Cada vez mais a investigação será, ou deverá ser, importante para as decisões políticas, pelo menos se quem as toma quiser que estas sejam tomadas de forma informada. Temos trabalhado com sucessivos governos, acho que os ministros da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior dos últimos anos têm procurado colocar no topo da agenda a investigação. Independentemente das decisões políticas que vão tomando, se o governo é mais à esquerda ou à direita, em termos gerais tem havido essa preocupação.

Por outro lado, acho que há algo que tem funcionado menos bem e que é completamente devastador para quem dirige as instituições: não há continuidade nas políticas.  Se olharmos para os últimos vinte anos, não há regularidade na abertura dos concursos para projetos a nível nacional, não há linhas contínuas nas políticas de contratação, e isto para quem dirige as instituições é muito difícil porque não há planos multianuais que funcionem. Sem estabilidade e sem previsibilidade é muito difícil dirigir instituições de ciência e investigação.

Esta instabilidade no financiamento é um dos grandes problemas a enfrentar pelos centros de investigação?

L.S: Sim. Se compararmos o custo per capita de um investigador e da investigação que se produz em Portugal com a que se faz no resto da europa desenvolvida, concluímos  que se gasta muito pouco dinheiro em Portugal. As pessoas são muito dedicadas, gostam muito do que fazem, portanto há um certo voluntarismo no INESC-ID e nas instituições congéneres. As políticas de ciência e de investigação em Portugal têm que ser planeadas a médio prazo e não ser suportadas em voluntarismos que não têm a garantia de se prolongar no tempo.

Olhando agora um pouco para o futuro: quais são os desafios que se colocam nos próximos anos?

L.S: Acho que as alterações climáticas são claramente um problema de sobrevivência. Penso que estamos a chegar tarde e tudo o que a ciência e a investigação puder ajudar será importante. Temos de correr atrás do prejuízo.  O INESC-ID vai tentar ajudar nas suas áreas de atuação.

Temos também os problemas de saúde, nomeadamente o cancro com o qual já convivemos há muito tempo, mas sentimos todos que estamos mais próximos da solução. Apesar de esta também não ser a nossa área fundamental, o desenvolvimento de novos fármacos, a criação de modelos sobre o desenvolvimento das doenças e a bioinformática são contribuições que o INESC-ID pode dar. Temos várias equipas no INESC- ID a trabalhar nestas áreas, em colaboração com algumas das mais importantes hospitais e instituições de investigação médica em Portugal.

Depois temos todas as potencialidades, e novos problemas, que virão com a Inteligência Artificial, e a interface com as máquinas vai ser em poucos anos muito diferente e será outro desafio. Isto tem também outra componente da investigação associada, que é a questão da realidade aumentada, da realidade virtual. Temos que juntar neste círculo de investigação os psicólogos, os designers, os engenheiros e os investigadores e perceber como é que a interação com as máquinas se pode tornar mais normal para nós, menos agressiva. São tantos os desafios…

E como é que a sociedade pode ajudar os cientistas em tudo isto?

L.S: É importante que a sociedade ajude e pode fazê-lo acompanhando o desenvolvimento da ciência e da investigação e tentando adaptar-se e tirando o maior partido possível. Envolvendo-se diretamente. É preciso trazer também os aspetos éticos para a investigação, dizer-nos para não irmos por este ou por aquele lado. A Energia Nuclear foi uma descoberta muito importante, mas trouxe a bomba atómica e mostrou-nos que é preciso criar condições para que investigação e o avanço da ciência sejam feitos em direções que interessem à sociedade. Pode ajudar, estando atento, respondendo aos desafios, incluindo-se ela própria na investigação, tornando-o mais multidisciplinar. Não acho que daqui a 10 anos tenhamos institutos de investigação divididos por áreas, teremos sim institutos de investigação com médicos, engenheiros, designers, físicos, informáticos, matemáticos e psicólogos, por exemplo, a trabalhar conjuntamente, a resolver problemas muito mais complexos e desafiantes.