O cientista João Mano, antigo aluno do Instituto Superior Técnico e atualmente docente e investigador da Universidade de Aveiro (UA), foi contemplado com uma bolsa de 2,5 milhões de euros do Conselho Europeu de Investigação (ERC, na sigla em Inglês) para investigar a regeneração óssea. Esta é a segunda vez que o alumnus do Técnico, especialista em biomateriais, é galardoado com uma ERC Advanced Grant (ERC-AdG). Este ano, professor João Mano foi o único investigador português ou a trabalhar em Portugal contemplado com uma bolsa avançada do ERC.
Assumindo-se “obviamente muito satisfeito” com a atribuição desta bolsa, o professor João Mano refere que a mesma “é uma prova que a nova investigação vai no caminho certo, que as nossas ideias podem ter impacto no progresso científico na nossa área e, também muito importante, um novo fôlego do ponto de vista financeiro, dado que o tipo de trabalho, com um forte pendor biológico e tecnológico, pressupõe enormes gastos”. Lembrando que “este tipo de bolsas são conseguidas em concursos extremamente competitivos e que têm muito prestígio”, o professor João Mano sublinha que “o selo de qualidade que está associado a estas bolsas é fundamental para credibilizar a qualidade do trabalho que fazemos, junto aos nossos colegas cientistas, permitindo reforçar as colaborações com os melhores grupos e a participação noutros projetos europeus”. Esta bolsa avançada é a segunda que o cientista da UA conquista, sendo que a primeira ainda está em execução. Adicionalmente, uma bolsa do ERC para prova de conceito (ERC-PoC) já tinha sido atribuída ao docente, em 2018.
O financiamento do ERC permitirá ao cientista da UA, durante cinco anos, desenvolver o trabalho na área da bioengenharia de tecidos humanos e biomateriais avançados. O projeto “REBORN – Full human-based multi-scale constructs with jammed regenerative pockets for bone engineering” que o docente lidera e que está na origem desta bolsa, tem por base pequenas esferas de biomateriais capazes de reparar tecidos humanos. “Os dispositivos que propomos desenvolver são bastante complexos, possuindo estruturas que vão desde a nano-escala até ao tamanho dos defeitos ósseos que queremos regenerar. No entanto, a base são pequenas cápsulas onde estão confinadas células e outros elementos importantes para que no seu interior se desenvolva um micro-tecido”, explica o alumnus do Técnico. “É a integração desses reservatórios de forma a produzir uma peça maior que permitirá fazer a engenharia do nosso dispositivo final, com capacidade de mineralizar (tal como o osso nativo) e vascularizar (para conseguir distribuir nutrientes e oxigénio às células em todo o volume)”, acrescenta.
O objetivo principal deste projeto é criar soluções para regenerar tecido ósseo em pacientes que o necessitem. “Este tipo de tecnologias, envolvendo a combinação de biomateriais e células, demorará sempre um tempo considerável para poder chegar às aplicações clínicas”, explica o professor João Mano. No entanto, e como nos explica o docente da UA, “o mesmo tipo de abordagem poderá servir para criar tecidos em laboratório com patologias de forma controlada. Podemos assim conceber o que chamamos de modelos de doença, em que podemos testar terapias, incluindo combinações de fármacos”. “Se utilizarmos células do próprio paciente, podemos criar modelos com características biológicas muito mais próximas daquele indivíduo, e chegarmos a propor um tratamento que seja mais adequado para ele. Entramos aqui numa área designada por medicina personalizada, ou medicina de precisão”, adiciona, ainda, o antigo aluno do Técnico.
Neste momento o projeto encontra-se etapa bastante avançada, e a equipa do REBORN está “na fase de preparação de sistemas que conseguem encapsular células e biomateriais que conseguem providenciar sinais adequados para que um determinado tecido se possa formar”. “Para além disso já temos algum desenvolvimento nos novos biomateriais que queremos utilizar nesse projeto, assim como metodologias para criar estruturas à macroescala. Quando este projeto se iniciar, que ocorrerá só em 2021, já teremos alguns ingredientes que ajudarão no ímpeto inicial da sua execução”, partilha o alumnus do Técnico.
Este ano, o ERC atribuiu bolsas avançadas a 185 investigadores, por entre os 1881 que concorreram. Estas bolsas foram distribuídas em 20 países e a cientistas de 26 nacionalidades. Os países que receberam mais bolsas foram a Alemanha (35), o Reino Unido (34) e França (21). Sobre o facto de ter sido o único investigador português ou a trabalhar em Portugal contemplado com o docente da UA declara que “gostaria que houvesse mais bolsas atribuídas a investigadores portugueses ou a trabalhar em instituições nacionais; isso iria incentivar outros investigadores, em particular os mais novos, a candidatarem-se e a conseguirem o financiamento dos seus projetos”. “Será por este processo cíclico que poderemos ser mais competitivos com os outros países que tradicionalmente têm tido mais sucesso” afirma o professor João Mano.
Questionado sobre o impacto que a sua formação tem no trabalho que desenvolve e no sucesso que vai arrecadando, o antigo aluno afirma que “o Técnico é a minha Alma Mater e estou muito reconhecido pela formação que tive enquanto fui aluno”. “O curso de Engenharia Química deu-me uma série de ferramentas, desde aquelas mais fundamentais ligadas à Química-Física e Matemática, até ao pensamento que nos ajuda a resolver problemas de Engenharia, e que foram muito importantes para a minha carreira de investigação”, refere o professor João Mano. “Se tivesse seguido uma carreira na indústria sentir-me-ia igualmente preparado. Tive muito bons professores, colegas fantásticos e o ambiente sempre estimulou a criatividade e um pensamento crítico e abrangente”, recorda.
Detentor de um trabalho reconhecido internacionalmente no domínio do desenvolvimento de biomateriais e de propostas de novos conceitos para aplicações biomédicas, o alumnus é líder do COMPASS Research Group. Este interesse pela Medicina Regenerativa surgiu quando depois de se doutorar no Técnico, foi para a Universidade do Minho e começou a trabalhar e lecionar tópicos relacionados com materiais poliméricos. “Gradualmente, o foco começou a ser a utilização desses materiais para a área biomédica. Isso levou à necessidade de enveredar para tópicos mais biológicos e para um campo na medicina que, entretanto, se tornou muito relevante na área dos biomateriais: a engenharia de tecidos”, recorda.
Fascinado com a que multidisciplinaridade da área e com o facto de em torna da mesma se reunirem equipas interdisciplinares, o antigo aluno do Técnico confessa o quão gratificante é “estarmos a trabalhar num domínio que poderá ter impacto real na qualidade de vida das pessoas”. “Do meu ponto de vista muito pessoal, é uma área em que a criatividade pode fazer a diferença, e onde nos podemos inspirar em muitos lados”, colmata.