Mais de 5 dezenas de investigadores do recente Laboratório Associado (LA) Instituto para a Saúde e a Bioeconomia (i4HB) participaram no “Encontro com Investigadores – Diálogos sobre Política Científica” que se realizou na passada quarta-feira, 2 de junho, no campus do Taguspark. O evento contou com a presença do ministro da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, professor Manuel Heitor, promotor destes encontros com a comunidade científica, e que têm como mote o debate das políticas públicas de Ciência para Portugal e a Europa.
Além de um momento único para partilhar preocupações, esclarecer dúvidas e pensar o futuro da Ciência, o evento acabaria por servir de primeiro ponto de contacto entre os vários investigadores do consórcio que está na génese deste laboratório e que reúne o Instituto de Bioengenharia e Biociências (iBB), o Instituto de Engenharia de Sistemas e Computadores – Microsistemas e Nanotecnologias (INESC-MN) e a Unidade de Ciências Biomoleculares Aplicadas (UCIBIO) e visa o desenvolvimento de competências científicas e tecnológicas em Saúde e Bioeconomia.
A presidente da Fundação para Ciência e Tecnologia, professora Helena Pereira, o presidente do Técnico, professor Rogério Colaço, e o coordenador do i4HB, professor Joaquim Sampaio Cabral, integraram o debate, que se estendeu por quase duas horas, e no cerne do qual esteve o documento “pacto para o reforço de instituições e carreiras científicas” que ficou disponível em maio de 2021.
Depois de uma breve introdução onde frisaria que o propósito destes encontros é “ouvir os investigadores”, “porque obviamente não há política científica sem Ciência e sem os cientistas, mas também os cientistas precisam da política científica”, o ministro da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior salientou que este momento de planeamento dos próximos 7 anos em que nos encontramos é “oportuno para abrir um debate sobre onde estamos e onde queremos estar no desenvolvimento científico”.
Reconhecendo que os desafios dos últimos anos foram sentidos “na pele” pelos próprios investigadores, o governante trouxe ao debate alguns números que demonstravam o aumento do financiamento em Ciência, sempre salientando que apesar do crescimento positivo tem noção de que “este financiamento não é suficiente” para a capacidade existente. “Há um dilema de política científica: como é que vamos continuar a fazer o balanceamento de uma tentativa de aumentar os recursos financeiros globais, sabendo que felizmente temos um bom problema que é termos maior capacidade humana, mas que não temos os recursos financeiros nacionais para toda esta capacidade”, expôs.
Para o governante é crucial aumentar o financiamento em fundos comunitários, e apesar de Portugal ter conseguido bons resultados neste domínio atraindo 1.7% do financiamento, o objetivo é chegar aos 2% do financiamento. Segundo o professor Manuel Heitor, para atingirmos o posicionalmente na Europa almejado, conseguindo aumentar o financiamento público e privado em investigação, é necessário preparar-nos gradualmente em várias dimensões. Antes de passar a palavra aos investigadores, o ministro deixaria bem claro que o principal objetivo do seu mandato é “dar oportunidade a todos que tenham mérito e interesse em desenvolver atividade científica”.
O debate assentou essencialmente em 3 pontos: a incorporação de investigadores em carreira de investigador; os Concursos de Estímulo ao Emprego Científico individuais (CEECs) e o financiamento suplementar; as alternativas de carreira para os investigadores integrados nas unidades de investigação e nos LA, um ponto a que seria anexado o debate sobre o equipamento científico. Ao longo de mais de duas horas, os investigadores questionaram o governante sobre estes assuntos, muitas vezes usando o seu percurso como exemplo do caminho que ainda há a fazer.
De forma pragmática e direta, o governante não fugiu a nenhuma das questões. Acerca da questão das carreiras de investigação sublinhou que esta não é só uma preocupação do governo português, mas também ao nível europeu, vincando, no entanto, que as instituições de ensino superior e os laboratórios associados “têm autonomia para decidir as suas carreiras”. “No caso de Portugal, como em quase todos os países europeus, há um estatuto de carreira, quer de investigação quer de carreira académica em que se definem normas genéricas. Cada instituição tem as suas práticas, e portanto, são as instituições que têm que definir as suas carreiras”, salientou, sendo esta uma ideia que acabou por sublinhar várias vezes ao longo do debate. “Em Portugal há desde os anos 90 uma carreira de investigação científica e uma carreira de docente. Pode haver uma carreira de docente com investigação ou uma carreira só de investigação. Isto compete às instituições decidir”, complementou.
Instando para que se faça a diferenciação entre financiamento e contratação, e frisando que apesar dos financiamentos serem “de um modo geral temporários, as contratações não têm que ser”. “O regime de contratação são os próprios laboratórios que o definem ou que negociam com as instituições que lhes dão o acolhimento institucional”, disse.
Ainda sobre este ponto, o titular da pasta da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior lembrava que na essência dos LA está exatamente “a possibilidade de uma carreira que pode ser uma carreira interna associada às instituições de ensino superior ou associada a instituições privadas sem fins lucrativos que servem de instituições de acolhimento. Temos LA em Portugal que criaram a sua própria carreira, não só para investigadores, mas também para técnicos”, disse, mais à frente no debate.
Também o professor Rogério Colaço defendeu esta capacidade de autonomia, realçando que a gestão dos investigadores de cada unidade de investigação tem que ser feita pelas mesmas. “É a unidade de investigação que tem que gerar recursos para manter a permanência desse contrato, e permitir a carreira correspondente às expetativas das pessoas que lá estão”, disse. O presidente do Técnico salientou ainda a evolução que tem acontecido nos últimos anos na Ciência, agradecendo ao ministro o trabalho feito. “Foi o primeiro ministro da ciência, tecnologia e ensino superior que de facto atacou esta ferida profunda no nosso sistema científico: a inacreditável precariedade”, declarou. “Claro que não está totalmente resolvido, mas a mudança que aconteceu neste 3 ou 4 anos é uma mudança bastante profunda”, concluía.
Ao longo do debate, o professor Manuel Heitor foi também salientando a importância do coletivo na Ciência. “A ideia de fazermos incentivos coletivos às unidades, e da avaliação das unidades ser coletiva, tem muito a ver com esta necessidade de criar coletivo”, referiu dizendo que esta é uma opção de política científica. “Criar uma instituição científica é muito isso, é captar diferentes fontes de financiamento e gerir por entre os seus investigadores esse bolo de investimento. Sei que essa é uma questão delicada nas instituições”, declarava, mais adiante.
Outras questões seriam abordadas, tais como os CEECs individuais, a disparidade entre a base jovem e a base mais antiga das carreiras de investigação, os estímulos à contratação de doutorados, ou a abertura de carreiras para gestores, divulgadores e comunicadores de Ciência. Sobre este último assunto, o professor Manuel Heitor voltaria a colocar a questão do lado das instituições. “A FCT financia as instituições e são as instituições que definem que devem ter as suas próprias carreiras, e é isso que exatamente diferencia muitas vezes um laboratório associado de uma unidade de investigação. Um LA deve ter a sua própria equipa de gestão”, salientou.
Quando interveio, a professora Helena Pereira realçaria que a “FCT é uma entidade financiadora, e o financiamento deve ser, de facto, distinto do que é o desempenho de investigação e do que é a responsabilidade das instituições de investigação”, evidenciando também a autonomia que as instituições têm e que pode e deve ser usada na questão das carreiras. Dando resposta a uma questão sobre a morosidade dos concursos e da divulgação de resultados, a presidente da FCT destacava que a “agência é extremamente frugral no que gasta com o seu funcionamento, e isto deve-se ao pessoal da FCT que trabalha imenso e continuadamente”, deixando um elogio aos mesmos, partilhando a dificuldade que encontrou nestas funções, evidenciando a complexidade dos processos de avaliação. “Montar esta máquina, fazer o processo demora-nos entre 6 a 8 meses e não conseguimos alterar, e isto é bastante bom quando comparado com outros organismos internacionais”, frisou.
Em jeito de remate, o governante salientou que “este processo de construção coletiva daquilo que é o reforço da capacidade científica e das nossas instituições passa indiscutivelmente também pela vossa mobilização como investigadores, e hoje acho que se devem orgulhar de estarem num grande laboratório associado que tem capacidade negocial nas suas instituições”. “Uma das coisas que aprecio neste laboratório, entre muitas outras, é poder negociar com 4 faculdades muito diferentes. Essa capacidade negocial, quanto a mim, permite comparar como é que diferentes instituições de acolhimento tratam o laboratório e isso deve ser usado para negociar” referiu. “Espero que possamos ir construindo e dando mais oportunidades a todos para desenvolverem as vossas carreiras”, colmatava o ministro.
Antes deste debate, os responsáveis do i4HB reuniram-se com o ministro e com a presidente da FCT. Também o presidente do Técnico se juntou ao momento que serviu para o coordenador do i4HB, o professor Joaquim Sampaio Cabral, apresentar em linhas gerais o LA, destacando as áreas de ação do mesmo e os objetivos a cumprir com a sua criação.