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Sampaio Cabral – “figura central da biotecnologia e bioengenharia em Portugal” é o mais recente Professor Emérito do Técnico

Manhã e tarde de 12 de abril serviram para recordar a carreira do engenheiro, que lançou um livro autobiográfico.

“Eles não sabem que o sonho é uma constante da vida”. Musicado por Manuel Freire, o poema de António Gedeão ecoa pelo Centro de Congressos do campus Alameda do Instituto Superior Técnico. Quem o invoca é Joaquim Sampaio Cabral, professor da Escola que, a  12 de abril, recebeu o título de Professor Emérito da Universidade de Lisboa. A par disso, a agenda do dia contou ainda com a publicação do seu livro “Memórias de uma viagem longa num mundo pequeno – 50 anos de Engenharia Química e Bioengenharia”, com um workshop de palestras que refletiram o legado que deixou em várias ramos da Bioengenharia e com a atribuição do grau Honoris Causa da Universidade de Lisboa a Jonathan Dordick, que apadrinhou.

Na sessão de atribuição do título de Professor Emérito, Rogério Colaço revelou conhecer Joaquim Sampaio Cabral há 15 anos, caracterizando o docente como alguém que, “na sua ação enquanto cidadão, cientista e professor, nunca teve medo de instabilizar sistemas de forma a encontrar novas soluções”. “É isso que temos a aprender com o seu legado”, concluiu.

Luís Ferreira, reitor da Universidade de Lisboa, recordou “a simpatia extrema permanente, a empatia que cria em qualquer grupo de trabalho, a firmeza das suas posições e a sua determinação”. Sarcasticamente, confessou ainda um “tremendo sentimento de inveja por tudo o que conseguiu”, indicando como exemplo o número de amigos “de grandes instituições portuguesas e estrangeiras” que recheavam a sala para assistir à atribuição do título, cerimónia que encerrou o dia.

O presidente do Departamento de Bioengenharia, João Pedro Conde, defendeu que Sampaio Cabral “deixou uma marca indelével na nossa instituição” e que “o seu legado irá continuar durante muito tempo”. Por sua vez, Raquel Aires Barros, docente do Técnico e primeira aluna de doutoramento do professor agora emérito, descreveu-o como “figura central no campo da biotecnologia e bioengenharia em Portugal”. Volvidos mais de quarenta anos desde que se tornou orientanda de Sampaio Cabral, a professora diz ter “o privilégio de testemunhar e celebrar uma carreira notável e uma história de sucesso e inspiração”.

A sua carreira mereceu destaque ao longo da manhã desse dia – o workshop “Joaquim Cabral’s legacy on Enzyme, Bioprocess and Stem Cell Engineering” reuniu várias palestras que refletiram sobre áreas da bioengenharia impactadas pelo trabalho do docente. Para além dos oito professores do Técnico que fizeram apresentações durante a manhã, discursou também Jonathan Dordick, bioengenheiro que viria a receber o grau Honoris Causa da Universidade de Lisboa nessa tarde. Esta última iniciativa partiu do próprio Sampaio Cabral e coincide com o primeiro grau Honoris Causa atribuído a pedido de um membro do Departamento de Bioengenharia do Técnico.

Depois das memórias, “life must go on…”

O mote do dia, insistiu diversas vezes Joaquim Sampaio Cabral, foi de que “a vida continua”. Outrora presidente do Conselho Científico do Técnico, é professor catedrático do Departamento de Bioengenharia, entidade que ajudou a fundar em 2011. “O Técnico é uma grande instituição e sempre o foi”, contava na véspera do dia 12, em entrevista – “teve sempre um papel muitíssimo importante na minha vida, sem dúvida”.

Este “papel muitíssimo importante” surge no livro autobiográfico que publicaria na tarde do dia seguinte. Em ‘Memórias de uma viagem longa num mundo pequeno – 50 anos de Engenharia Química e Bioengenharia’, Sampaio Cabral descreve as suas vivências pessoais e universitárias, desde a infância até à jubilação. A obra é prefaciada por Manuel Heitor, também professor catedrático do Técnico, que a apresenta como “um registo da História da Escola, nos seus aspetos científico, cultural e humano”.

A palestra que Sampaio Cabral ministrou ao final do dia não se focou somente no passado, contudo – também teve muito a dizer sobre presente e futuro. Esclareceu o seu desejo de ver as universidades darem mais tempo aos estudantes “para assimilar, pensar e desenvolver espírito crítico”, promovendo também o ato de leitura e incorporando mais artes e ciências sociais e humanas. “Eventualmente, algum de vós poderá até vir a ganhar um prémio Nobel, mas por favor leiam”, disse aos presentes.

Elencou como suas principais contribuições científicas o desenvolvimento da área da engenharia enzimática, de bioprocessos e de células estaminais, orientando os doutoramentos de oito, 17 e 20 estudantes nestas áreas, respetivamente (com um 21.º em células estaminais ainda em curso). No entanto, e citando Isaac Newton, justificou os seus sucessos com o facto de ter estado “sobre os ombros de gigantes” que lecionaram e fizeram investigação antes de si.

Crítico da aposentação obrigatória, que considera “discriminatória” por aplicar-se ao setor público e não ao privado, Joaquim Sampaio Cabral frisou que “o idadismo é uma forma de segregação”. “Aos 70 anos, as pessoas passam a ser tratadas como se fossem incompetentes”, admoestou. O tom aligeirou-se quando descreveu com humor o período no qual desenvolveu o seu doutoramento isolado num espaço do Pavilhão de Minas, reproduzindo o tema Lonely Man, de Elvis Presley.

Não seria o último momento musical do dia. Terminou a sua lição com Life Must Go On, tema da banda Alter Bridge que, depois de uma serena introdução de guitarra, explodiu num riff de música rock que arrancou risos surpreendidos da audiência. Cortando abruptamente a faixa, desculpou-se pela intensidade súbita da canção – “isto já não é para a minha idade”. Respondendo à punchline, o Centro de Congressos levantou-se em peso para uma ovação, nesta que foi a última aula de Sampaio Cabral – a última antes da próxima, claro está.

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