“Dó-Ré-Mi-Fá… não está a soar bem! Outra vez!” É num treino aprimorado e exigente de escalas musicais a 3 vozes, conduzido pelo ensaiador António Gomes, também ele tunante, que se fazem os primeiros momentos de mais um ensaio da Tuna Universitária do Instituto Superior Técnico (TUIST), um dos últimos na contagem decrescente para aquele que será o grande momento do ano: o festival de tunas ‘Cidade de Lisboa’. Já vamos com mais de 20 minutos de atraso, mas isso nem sequer importa, estiveram antes a afinar-se coisas igualmente importantes: os laços de amizade. Entre uma e outra nota, as brincadeiras próprias de quem passa muito tempo junto, coisas de “família”, como lhe chama Mário Pedrosa, atual presidente da direção da TUIST.
À medida que o ensaio avança vai-se desvendado um bocadinho do repertório que vai ser apresentado no festival que se realiza já a 9 e 10 de março. Sim, leu bem, 2 dias de música, o dobro das tunas em competição e o dobro dos lugares disponíveis. Não é o habitual, mas para assinalar as bodas de prata menos não era de esperar. “Este festival é o culminar do trabalho dos 25 anos, e por isso quisemos redobrar os esforços e fazer o melhor possível”, destaca Mário Pedrosa, que na Tuna quase todos tratam por ‘Lundois’.
Este ano, e porque querem também celebrar a data com a Universidade de Lisboa, mudam-se para a Aula Magna. A divulgação do evento está a correr muito bem, e já têm centenas de bilhetes reservados. “Contamos com cerca de 3300 espetadores”, adianta o presidente da direção da TUIST. Quem já foi ao festival sabe o que vai encontrar, a quem não foi Mário diz que “podem esperar um espetáculo musical e cultural, organizado por miúdos da universidade mas que tem uma produção e uma organização de nível profissional”.
As várias tunas a concurso vão ser divididas pelos dois dias, a TUIST apesar de não competir vai atuar em dose dupla também, dando o seu melhor como aliás se adivinha só pelos ensaios. “Preparamos um espetáculo diferente nos dois dias, com vários tipos de músicas também para celebrar a evolução desde a fundação até agora”, explica o presidente da TUIST. E se o festival é sempre também um momento de reencontro com antigos tunantes, Mário Pedrosa adianta que este ano se adivinha um “regresso a casa de uma grande parte dos 150 membros”. “Vamos conhecer pessoas que nós nunca vimos, caras que só conhecemos das fotos”, diz Filipe Faria, também membro da direção.
No ensaio percebe-se que no alinhamento da atuação da TUIST, haverá como sempre muitas adaptações de fados, não fosse a tuna conhecida por tal. “A maior parte dos nossos arranjos são todos derivados de fados conhecidos que nós transformamos em algo nosso”, esclarece Mário Pedrosa. “Todas as músicas que nós achamos que representam Lisboa, Portugal, e também um pouco do que nós somos”, adiciona de seguida.
Na sala de reuniões, ou “no poiso principal” como lhe chamam, há de facto um role de fotografias expostas para não esquecer os que tanto deram à Tuna. Mário e Filipe têm ambos 22 anos, menos três que a TUIST. O que os trouxe para a Tuna fora os mesmos motivos que trouxeram e ainda trazem todos os outros tunantes de geração para geração. “A música é logo o primeiro fator, o primeiro embate. Vamos a um ensaio, ouvimos uma música e ficamos de boca aberta, sentimos de imediato que queremos fazer parte disto”, partilha Mário Pedrosa. Isto é o que faz entrar, porém são os laços que fazem ficar. “A partir do momento em que estamos cá dentro começam a ser daqui os nossos melhores amigos, começa a ser a família, começam a ser as nossas pessoas”, declara.
Além das relações interpessoais, o que mais resulta desta experiência para que todos os anos dezenas de alunos se juntem à TUIST, obrigando a uma ginástica entre a exigência do Técnico e os ensaios, atuações de rua e espetáculos? Mário Pedrosa responde prontamente: “uma das melhores coisas que a Tuna me deu foi a confiança para ir falar com as pessoas, tentar ir buscar aquilo que eu quero, explicar porque é que eu quero e conseguir desvendar um problema e encontrar uma solução, ao bom estilo do engenheiro”.
Os atuais membros não sabem todas as histórias destes 25 anos, “afinal são muitas mesmo”, mas sabem as principais. “Podemos não conhecer quem viveu estes episódios, mas as histórias passam de geração em geração”, diz Filipe Faria. “Toda a gente sabe a história da primeira edição do nosso festival, dizem que a Alameda estava cheíssima, acima de 4000 pessoas a assistir e a vibrar com as nossas músicas”, conta de seguida o presidente da TUIST. “As grandes histórias que se ouvem são mesmo essas, o coliseu cheio com as galerias e os camarotes repletos, e nós vemos fotos disso tudo e ficamos encantados”, acrescenta o mesmo com um brilho nos olhos de quem gostava de ter lá estado.
Talvez amanhã o cenário seja muito semelhante, pelo menos a organização assim o espera: “queremos que os tunantes daqui a dez anos usem esta edição como um exemplo para o futuro, que corra bem o suficiente para as pessoas puderem pegar na fórmula que nós usamos”, ambiciona o presidente da direção. Os desejos continuam, afinal é muito fácil querer o melhor para a nossa” família”: “o que eu espero é que a TUIST cresça cada vez mais e tenha uma evolução de ideias”. Continuará a crescer certamente se houver pessoas com a garra deste grupo que ao fim de cinco tentativas continuava a sorrir e a esforçar-se para fazer o “sol” soar da maneira certa. Torna-se muito claro neste simples ensaio que é preciso muito empenho para que os acordes do sucesso durem há 25 anos. “Dos cerca de 150 membros que já passaram por aqui, cada um deles deixou um bocadinho do seu cunho, do seu pensamento e estes grupos vivem disso, do pedaço que cada um deixa, das histórias que se constroem em torno disso e que nos contam quando vamos atuar a qualquer lado”.
Quando António Gomes começa a ensaiar o “Lisboa Não Sejas Francesa”, mesmo que o importante seja aperfeiçoar detalhes vocais, o corpo dos tunantes acompanha instantemente o ritmo que se vai criando. A atuação percebe-se como algo quase inato neles. Ainda há espaço para brincadeiras, como as há quase sempre em palco. “Lisboa não sejas francesa, com toda a certeza, não vais ser feliz”, diz o refrão de Amália, cantado ao jeito traquina da TUIST. No palco da Aula Magna, este fim de semana, com toda a certeza o Festival de Tunas ‘Cidade de Lisboa’ vai ser feliz e o melhor de tudo é que “não é só para nós”.