Mais do que debates, os eventos da Associação dos Estudantes do Instituto Superior Técnico (AEIST) que pretendem promover a partilha em torno do Movimento Estudantil no Técnico são autênticas viagens no tempo pintadas com as marcantes recordações e os minuciosos detalhes de quem esteve lá e não pretende que o tempo deixe esquecer as conquistas e adversidades de outrora. Na passada quinta-feira, o Salão Nobre acolheu mais um dos debates deste ciclo, cingindo-se a viagem a uma janela temporal mais restrita: a célebre década de 1956/57 a 1966/67.
Contando com a moderação de António Mota Redol, a exposição foi sendo partilhada entre João Cravinho, Sérgio D’Espiney e António Manuel Garcia, antigos alunos do Técnico e atores principais do movimento estudantil no Técnico. As ações da censura, a politização do movimento estudantil, a crescente mobilização dos estudantes e a cultura como meio de dinamização das lutas foram sendo relembradas detalhadamente pelos intervenientes perante uma plateia atenta que não hesitava em corrigir detalhes caso fosse necessário ou a memória dos intervenientes fraquejasse.
“Em 1956 estávamos numa situação em que se denotava alguma insegurança do regime quanto ao seu poder, à sua capacidade de dominar, de lealdade à ordem social estabelecida”, assinalava João Cravinho no decorrer da sua longa e enriquecedora intervenção. “O que me parece muito importante referir é que nestas alturas as associações de estudantes passaram a ser representativas não apenas dos seus associados, mas dos seus estudantes no geral”, referia de seguida. Pelo caminho fascinante da sua intervenção, o orador fez questão de lembrar o papel dos dirigentes associativos na inspiração e mobilização dos estudantes, enfatizando sempre a união que ia fazendo frente à repressão. “Foram estes os anos mais interessantes e intensos e que eu mais valorizo na minha formação cívica”, referia por fim.
Assumindo o papel ingrato, mas simultaneamente elogioso de se seguir à intervenção de João Cravinho, Sérgio D’Espiney optou por se focar naquilo que se passou no Técnico ao longo desta década. Numa análise de como a atitude dentro da Escola foi evoluindo à velocidade que o descontentamento estudantil geral ia aumentando, o antigo vice-presidente reiterou “a influência que as outras escolas tiveram na mobilização dos estudantes do Técnico através da capacidade de intervenção que demonstraram, inspirando a ações coletivas”. “De repente uma associação que parecia estar pacificada estava ativa”, declarava o antigo dirigente associativo referindo-se à AEIST. O orador fez questão ainda de partilhar alguns dos momentos mais marcantes ao longo destes “dez intensos anos” pautados pela “perseguição aos estudantes, as várias intervenção e choques com a polícia, e com algumas situações caricatas que contadas hoje em dia parecem algo estranhas, mas que nós vivemos intensamente”, referia.
“O ano de 1965 é para mim um ano decisivo que encerra um ciclo”, começa por frisar António Manuel Garcia, também ele vice-presidente da AEIST. E foi exatamente sobre esse ano, as ações que se sucederam e o ambiente que o caraterizou que o orador se focou na sua intervenção. Dando um enfoque especial à divulgação cultural desenvolvida pelos estudantes do Técnico, elencou alguns dos eventos que a pautaram e foram marcando os tempos e despoletando vontades. “A ação cultural ajudava a defender e a mobilizar as associações dos estudantes, e o Técnico desempenhou um papel muito importante enquanto centro dessa ação”, afirmava. “A intensidade deste ano está também expressa na quantidade de comissões disciplinares – 181, que originaram várias expulsões”, referiu de seguida.
A proibição da realização do dia do estudante, o luto académico, a greve de fome, as ações semiclandestinas das associações dos estudantes, e os demais tópicos que se foram sucedendo na agenda reivindicativa foram naturalmente vindo à conversa. Nas narrações, inevitavelmente muito singulares e várias vezes sobrepostas com recordações aleatórias, ficou bem claro o quanto esta década se eternizou nas memórias de quem a conta. No final, e depois do habitual debate aceso que envolveu a plateia, ficou bem claro que se precisássemos de resumir esta década seria difícil escolher entre o “conflito” e a “esperança” que a caracterizaram.