Os Equipamentos de Proteção Individual (EPIs) tornaram-se parte das nossas vidas nos últimos tempos, sendo uma arma poderosa para garantir a segurança da população em geral, e em particular dos profissionais de saúde que correm riscos acrescidos. Quase diariamente, os media dão-nos conta da importância de ter uma reserva estratégica destes equipamentos quer para fazer face a esta vaga, quer perante a iminência de existirem novas vagas. Chega-nos também a informação de que este tipo de equipamentos ainda não existe em quantidade suficiente no mercado para suprir as necessidades em todo o mundo, e que, nalguns casos pode atingir preços bastante elevados. Por outro lado, sabemos que os mesmos são feitos maioritariamente com plástico, que acabam depositados no fundo dos nossos oceanos, o que irá refletir-se no aumento da sua poluição. Uma solução segura e também ecológica que dá resposta a todas estas questões está a ser desenvolvida nos laboratórios do Técnico. O projeto “Esterilização de EPIs com radiação gama com vista à sua reutilização”, liderado pela professora Ana Paula Serro (Centro de Química Estrutural- CQE) irá avaliar a possibilidade de usar radiação gama para esterilizar EPIs essenciais para prevenir a disseminação da COVID-19, tais como máscaras, vestuário, etc.
“Para avaliar esta possibilidade serão identificados diversos materiais – já utilizados na produção de EPIs ou com potencial para utilização futura – passíveis de serem esterilizados por este método, e definir-se-ão para cada um as condições ideais de esterilização e o número de vezes que poderão ser reprocessados, de forma a manterem as características regulamentadas para garantir a segurança e eficácia dos EPIs”, começa por explicar a professora Ana Paula Serro. “Nalguns casos poderão ser necessários tratamentos pós-esterilização para restituir aos materiais a sua funcionalidade, que serão também alvo de estudo no presente projeto”, acrescenta a investigadora do CQE.
Para esta esterilização feita com radiação ionizante, em particular radiação gama, será utilizada uma fonte de 60Co, na unidade de radioesterilizacção do Campus Tecnológico Nuclear do Instituto Superior Técnico que, como evidencia a líder do projeto, é “uma infraestrutura única no país”. “Este método de esterilização é reconhecido pela Agência Internacional de Energia Atómica (AIEA) como uma ferramenta eficaz para a eliminação do SARS-CoV-2 em diferentes tipos de EPIs e apresenta inúmeras vantagens relativamente a outros métodos atualmente disponíveis”, sublinha a professora Ana Paula Serro.
Por possuir um grande poder de penetração, este método permite que os EPIs usados possam ser esterilizados em embalagens seladas, reduzindo-se assim os riscos de contaminação associados ao seu manuseamento. Para além disto, também não origina resíduos tóxicos, o que, além de ser ecológico, possibilita a reutilização imediata dos equipamentos de proteção individual. “O processamento é feito à temperatura ambiente, com vantagens para os materiais e em termos energéticos, e demora poucas horas, sendo o tempo de esterilização determinado pela dose de radiação a aplicar”, explica a docente do Técnico. Outra das vantagens deste método é que permite processar, em simultâneo, grandes quantidades de material, o que contribui para a redução de custos.
Embora a maior parte dos EPIs seja descartável, a professora Ana Paula Serro esclarece que “muitos poderão ser reutilizados de forma eficaz e segura, desde que se proceda à sua esterilização e que os mesmos mantenham um desempenho adequado”. Para a docente do Técnico “a reutilização dos EPIs constitui uma mais-valia para as unidades prestadoras de cuidados de saúde, com impacto positivo quer em termos económicos, quer ambientais”.
O projeto “Esterilização de EPIs com radiação gama com vista à sua reutilização” foi um dos selecionados na 2.ª edição da iniciativa “RESEARCH 4 COVID-19”, conquistando um financiamento de 39.808 euros. Com início agendado para julho, o projeto conta com “uma equipa com larga experiência em esterilização de dispositivos médicos, que tem vindo a desenvolver trabalho conjunto no âmbito de outros projetos, há vários anos”, conforme refere a professora Ana Paula Serro.
A cargo dos investigadores do CQE e Instituto de Plasmas e Fusão Nuclear (IPFN), ficará a irradiação dos materiais, a sua caracterização e eventuais modificações pós-esterilização. O projeto reúne também investigadores do Laboratório de Microbiologia Aplicada Egas Moniz (LMAEM) que procederão aos ensaios de esterilidade. “A estes parceiros, juntou-se o CITEVE, Centro Tecnológico que certifica os produtos da indústria têxtil e do vestuário, e que será responsável no projeto pela identificação dos materiais com interesse para o estudo e verificação da regulamentação. Além disso, colaborará ativamente na realização de testes específicos de caracterização dos mesmos”, declara a líder do projeto. A parceria de especialistas clínicos não podia ser preterida num projeto com estas caraterísticas e,por isso mesmo, a Clínica Dentária Universitária Egas Moniz e o Centro Hospitalar Universitário de Lisboa Central (Hospital de São José) integram também esta investigação ajudando a identificar os EPIs mais relevantes e procedendo à sua validação em campo após a esterilização. “No total estarão envolvidos 10 investigadores: 8 seniores e 2 juniores – a contratar”, partilha a professora Ana Paula Serro.
Depois de desenvolvido, o modelo de esterilização poderá ser utilizado pelas unidades de saúde, podendo ser feita a reutilização dos EPIs de forma segura. “A esterilização com radiação gama, apesar das diversas vantagens enumeradas, apenas pode ser realizada em unidades especificamente preparadas para o efeito e com pessoal especializado”, realça a líder do projeto. Para prestar esse serviço às unidades de saúde, estará apta e dotada de uma elevada capacidade de resposta, a unidade de radioesterilização do CTN.