Os raios-X que resultam da interação de cometas com o plasma emitido pelo Sol (ou vento solar), intrigaram durante muitos anos os cientistas da área, mas o enigma foi resolvido recentemente por uma equipa internacional de investigadores – dois deles do Técnico – que simulou em laboratório essa emissão de raios-X em cometas, decompondo totalmente o mecanismo. “Esta descoberta trata-se da primeira observação em laboratório da emissão de raios-X na interação entre um plasma e um obstáculo magnetizado. Esta experiência reproduziu as condições existentes, por exemplo, na interação entre o vento solar e cometas do nosso sistema solar”, esclarece Fábio Cruz, que conjuntamente com o professor Luís Oliveira e Silva representam Grupo de Lasers e Plasmas do Instituto de Plasmas e Fusão Nuclear do Instituto Superior Técnico.
A emissão de raios-X já tinha sido observada nestas interações no espaço, porém a sua origem era desconhecida, uma vez que a emissão deste tipo de radiação é normalmente associada a objetos quentes como o Sol, sendo os cometas dos objetos mais frios do sistema solar.
O trabalho, publicado na revista científica Nature Physics, foi produzido por uma equipa internacional com cientistas de 15 instituições, sendo a equipa do Técnico responsável pela modelação numérica e interpretação teórica desta experiência, sem a qual não poderiam ter sido explicados os resultados experimentais. Através das simulações computacionais de grande escala desenvolvidas pela equipa do Técnico, foi possível demonstrar que o aquecimento das partículas responsáveis pela emissão dos raios-X observados experimentalmente se deve a ondas de plasma desenvolvidas na interação entre os cometas e o vento solar. Estas simulações, desenhadas para reproduzir as condições laboratoriais, foram realizadas nos supercomputadores IST Cluster (Lisboa) e MareNostrum (Barcelona, Espanha).
O feito torna-se ainda mais excecional se tivermos em conta que nunca havia sido reproduzido em laboratório, apesar de já ter sido detetado várias vezes em observações astronómicas, e servido de inspiração a múltiplos artigos científicos “É possível reproduzirmos a mesma interação porque sabemos que os sistemas se comportam da mesma forma”, explica Fábio Cruz. E assim foi no Laboratório para a Utilização de Lasers Intensos (LULI), na Escola Politécnica da Universidade de Paris VI, em França, numa campanha experimental de 4 semanas (2 de montagem e preparação e 2 de experiência). “Para produzir um plasma com propriedades equivalentes às do vento solar no espaço, fizeram-se incidir os lasers ultra-intensos disponíveis no LULI num alvo de plástico, expelindo os seus eletrões e iões e formando uma pluma de plasma de alta velocidade, cerca de 70 quilómetros por segundo”, explica o investigador do Técnico. Este plasma incidiu depois numa pequena esfera, o “cometa laboratorial”, colocada a cerca de um centímetro do alvo de plástico, replicando o que acontece quando um cometa real atravessa o sistema solar.
Na experiência foram utilizados dois tipos de esferas – de vidro (não magnetizadas) e metálicas (magnetizadas) –, e utilizando aparelhos de diagnóstico em torno da experiência, foi possível detetar um excesso de raios-X emitidos na presença de um objeto magnetizado. “Este resultado é uma indicação de que apenas na presença de um campo magnético é possível aquecer eletrões do plasma até cerca de um milhão de graus Celsius, responsáveis pela emissão de raios-X observada”, declara Fábio Cruz. “Este trabalho permitiu concluir que é possível acelerar eletrões até altas energias na região de plasma turbulenta que se forma em torno do obstáculo magnetizado”, acrescenta o investigador.
Mas porque são estas conclusões tão relevantes? Fábio cruz responde: “Porque permite lançar alguma luz sobre um mistério associado aos raios cósmicos (partículas mais energéticas do Universo) conhecido como o problema da injeção. Embora seja sabido que fortes ondas de choque em plasmas existentes em cenários astrofísicos extremos são capazes de acelerar partículas até energias extremas, estas requerem uma fonte inicial de partículas suficientemente energéticas para atravessarem a onda de choque. Este trabalho vem demonstrar que a turbulência em plasmas pode ser uma fonte de partículas energéticas, superando o problema da injeção”. Além disso, compreender estes fenómenos pode ser um contributo para a exploração espacial, especialmente de modo a uma proteção mais eficaz da radiação no espaço e de uma melhor localização de futuras bases de exploração espacial na superfície lunar ou em Marte. “Uma das características mais importantes destes sistemas é a formação de uma bolha à superfície da Lua, onde as partículas e radiação extremamente energéticas do vento solar não chegam, à semelhança do que acontece na magnetosfera terrestre”, elucida o investigador. Na sua tese de mestrado, Fábio Cruz já havia estudado estes sistemas e previsto as condições para o sucesso desta experiência, um trabalho reconhecido pela Fundação Calouste Gulbenkian no âmbito do Programa de Estímulo à Investigação 2016.