Ciência e Tecnologia

Cientistas do Técnico vão utilizar algas para criar filete de robalo em laboratório

Recentemente o projeto Algae2Fish, liderado pelo professor Frederico Ferreira, obteve do Good Food Institute (GFI) um financiamento de 215 mil euros.

Alguma vez se imaginou a degustar um filete de robalo produzido em laboratório e a partir de impressão 3D? Esta hipótese pode estar mais próxima do nosso horizonte do que equacionamos e tudo graças a uma equipa de 4 cientistas do Técnico.  O objetivo dos investigadores do Instituto de Bioengenharia e Biociência(iBB) envolvidos no projeto Algae2Fish é produzir o primeiro filete de peixe in vitro completo através de impressão 3D. Desenvolvido à base de células estaminais de robalo e extratos de algas, pretende-se que o filete seja semelhante ao que tradicionalmente estamos habituados a comer.

Liderado pelo professor Frederico Ferreira, docente do Departamento de Bioengenharia (DBE) o Algae2Fish conquistou recentemente uma das 21 bolsas do Good Food Institute (GFI), uma organização não-governamental para alimentos sustentáveis, assegurando um financiamento de 215 mil euros. O projeto arrancou oficialmente em dezembro de 2021, mas só “daqui a 2 anos o protótipo de filete estará otimizado e poderá ser provado por um painel de pessoas”, como revela Diana Marques, aluna de mestrado em biotecnologia no Técnico e que integra a equipa de investigação do Algae2Fish.

A verdade é que reproduzir em laboratório um filete de robalo com as mesmas propriedades nutricionais e recriar a complexa textura fibrosa a que o nosso paladar está habituado não é uma tarefa fácil, mas tudo está a ser pensado para que esta seja uma tarefa bem-sucedida.

As biotintas à base de algas, e que representam o componente principal do filete, foram desenvolvidas pela própria equipa, que conta ainda com os investigadores Carlos Rodrigues e Paola Alberte, investigadores do iBB e especialistas em bioengenharia e bioimpressão 3D.  São os polissacarídeos presentes nas algas que permitem que estas adquiram as propriedades de gelificação necessárias para serem usadas como tinta de impressão 3D. Os resultados desta fórmula “made in” Técnico não podiam ser mais promissores, como partilha Diana Marques: “mostrou grande resolução após a impressão 3D”.

É a partir destas biotintas que será possível criar os dois tipos de tecidos do peixe.  Feitas à base dos polissacarídeos presentes em algas, as tintas vão manter as células vivas e suportar o seu crescimento, contendo os nutrientes e as proteínas que os peixes absorvem naturalmente quando se alimentam de algas. “Existirão duas biotintas específicas, uma para a componente muscular e outra relativa à componente gordurosa do filete de peixe. Estas vão ser intercaladas nas proporções indicadas para criar uma estrutura semelhante ao filete tradicional, seguindo um design baseado neste mesmo filete”, explica Diana Marques.

Às biotintas serão adicionadas células de robalo. Recorrendo a esta fórmula será possível passar à impressão da estrutura previamente definida em forma de filete. Depois de impressas, as células ainda terão de se multiplicar, crescer na direção correta, ocupar o espaço que lhes está reservado, diferenciando-se entre si no tecido final. Para isso, após a impressão serão aplicados estímulos elétricos e bioquímicos que servirão para transformar as células estaminais embrionárias nos tecidos de músculo e gordura.

Apesar de existirem outros trabalhos a decorrer na área, Diana Marques salienta que “nenhum indica a produção de um filete de peixe completo – conjugando a parte muscular e gordurosa do peixe –  através de bioimpressão 3D”.

Além do aspeto e da textura que serão semelhantes aos produzidos convencionalmente, estes filetes chegarão aos nossos pratos sem espinhas, e mais importante ainda livres de metais pesados ou microplásticos que hoje em dia podem ser encontrados nos peixes.  Além disso, do ponto de vista nutricional, os investigadores esperam que benefícios para a saúde sejam semelhantes. “O valor nutricional – conteúdo proteico, ómega-3, vitaminas, etc. –  e as propriedades organoléticas- textura e sabor –  serão otimizadas para ser o mais próximo possível do filete tradicional”, garante Diana Marques.  Quanto ao sabor não se pode assegurar que será totalmente idêntico, mas o professor Frederico Ferreira assegura “que vai saber bem”.

Técnica desenvolvida no Algae2Fish poderá ajudar satisfazer a procura crescente de pescado

A ideia que dá origem ao projeto parte mesmo de Diana Marques no contexto de uma cadeira de Empreendedorismo lecionada pelo próprio professor Frederico Ferreira e no âmbito da qual o seu grupo de trabalho teve a ideia “de fazer sushi em laboratório”. O projeto acabaria por se destacar no concurso E.Awards@ Técnico  em  2019 , e a estudante do Técnico sentiu um ímpeto para não mais largar esta ideia, não fosse ela uma jovem vegetariana, sempre atenta e com vontade de dar o seu contributo na questão da sustentabilidade alimentar. Por isso mesmo decidiu fazer da ideia o tema da sua tese de mestrado em biotecnologia, que concluiu este mês, e na qual contou com a orientação do professor Frederico Ferreira, especialista em biomateriais para o cultivo e diferenciação de células estaminais.

Diana Marques destaca que “existem muito poucas empresas e investigação na área de peixe fabricado em condições laboratoriais”. “Além disso, somos os primeiros a trabalhar com bioimpressão 3D e com células estaminais de robalo”, vinca.

Ainda que falte algum tempo para a prova deste filete, as previsões não podiam ser mais animadoras e, segundo Diana Marques, “tudo indica que esta técnica poderá ser posteriormente utilizada para outro tipo de células”. Por isso mesmo, é bem possível que deste projeto resulte um método de cultivar peixe que possa ser comercializado junto de empresas dedicadas ao mesmo.

Se a técnica criada nos laboratórios do iBB no campus do Taguspark for eventualmente ampliada e utilizada pelos fabricantes de alimentos, serão criadas novas indústrias da cadeia de fornecimento para aprovisionar esta matéria-prima tão apreciada pelos portugueses, não fosse o nosso país o maior consumidor de peixe na União Europeia. Em termos globais, e de acordo com dados da Agência das Nações Unidas para a alimentação e agricultura (FAO), nos últimos 30 anos o consumo de peixe aumentou 122 por cento. A pesca e aquacultura intensivas, a que se junta a problemática da poluição, estão a colocar em perigo os habitats marinhos e é também como uma resposta a esta problemática que este projeto surge, reduzindo-se a necessidade de captura de peixe em massa o que, como aponta Diana Marques, resultará “num processo que não danifica os oceanos”.