A descoberta de água líquida e salgada debaixo de uma camada de gelo na calota do pólo Sul de Marte é um dos assuntos mais falados do momento e está a entusiasmar a comunidade da Astrofísica e das Ciências do Espaço. O motivo é simples e explicado pela a professora Zita Martins, docente do Técnico e considerada uma das maiores especialistas do mundo em astrobiologia: “o que faz desta descoberta publicada a 25 de julho na revista Science tão mediática é o facto de ser uma prova direta da existência de um depósito estável de água no estado líquido no planeta Vermelho. Isto é excitante e abre muitas portas para investigação futura”.
A descoberta é o resultado do tratamento dos dados recolhidos entre 2012 e 2015, e foi feita pela missão da Agência Espacial Europeia, Mars Express, que orbita Marte recorrendo a uma nova tecnologia que lhe foi acoplada: o Mars Advanced Radar for Subsurface and Ionosphere Sounding (MARSIS). Esta ferramenta não é mais do que um radar que emite ondas de baixa frequência, sendo que algumas destas são refletidas na superfície de Marte, e outras atravessam o gelo da superfície de Marte e refletem nos materiais que se situam por baixo. “Os dados recolhidos durante cerca de três anos mostravam a presença de um depósito líquido estável debaixo da camada de gelo. É sabido que a reflexão de água líquida é muito superior à dos outros materiais”, explica a professora Zita Martins. Esta observação já havia sido registada anteriormente em lagos de água existentes debaixo de depósitos polares na Antárctica e Gronelândia e por isso mesmo a conclusão tornou-se mais simples e clara para os cientistas.
Denote-se que a temperatura de -68ºC nos polos de Marte não permite que água pura permaneça no estado líquido, porém uma vez que “a superfície do planeta Vermelho é muito rica em minerais de percloratos de magnésio, cálcio e sódio pensa-se que isto contribua para que o ponto de congelamento seja mais baixo e seja possível detetar água no estado líquido”, refere no decurso da conversa a docente do Técnico. Além disso, e como nos explica a astrobióloga “a elevada pressão da camada de gelo que está em cima do depósito de água detetado também ajuda a baixar o ponto de congelamento”, caraterísticas estas que levam a crer que o depósito de água detetado será um lago de água extremamente salgada ou até mesmo lodo, ou seja, água salgada misturada com sedimentos de Marte.
O resultado é empolgante e está a agitar os investigadores que estudam as possibilidades de vida para além da Terra, funcionando esta descoberta como uma espécie de mapa do tesouro que mostra aos especialistas onde começar a procura por microrganismos. Para a professora Zita Martins “esta descoberta é definitivamente importante para colonizar Marte no futuro”. Uma intenção que aliás se tem acentuado a nível internacional, quer por parte de agências espaciais, quer por várias empresas do sector privado, mas “antes que isso aconteça é preciso que Marte tenha as condições para que Humanos lá possam viver. Isto inclui ar para respirar, comida e claro água”, frisa a docente do Técnico. Assim este depósito de água salgada, mesmo não sendo bebível, assume-se como uma fonte de água de acesso mais fácil. “Esta nova descoberta vem também abrir a porta a possíveis depósitos de água subterrâneos que sejam de fácil acesso e que possam ser usados para consumo Humano”, declara a professora Zita Martins que considera ainda este novo dado como um passo considerável “num mundo novo para descobrir, não só em Marte, mas em todo o sistema solar”. “A grande questão da existência de vida extraterrestre está ainda por responder. Se e quando tal acontecer, irá conduzir a um novo paradigma na Ciência e na Sociedade”, assinala.
Como docente do Técnico, uma das responsabilidades da professora Zita Martins é fazer investigação, o que no seu caso inclui ser co-investigadora de duas missões espaciais (OREOcube e EXOcube) que irão ser instaladas na Estação Espacial Internacional. Ambas “irão expor durante vários meses moléculas orgânicas e microorganismos com diferentes graus de complexidade à radiação solar e cósmica. Em alguns casos, minerais serão adicionados. Isto permite comparar os dois sets e verificar um eventual efeito protetor dos minerais contra a radiação”, desvenda. “Muitos desses minerais existem em Marte, e como tal estas duas missões espaciais irão permitir determinar quais os melhores locais no planeta vermelho para moléculas orgânicas e microrganismos sobreviverem e serem detetados”, frisa de seguida a astrobióloga. “Alguns estudos preliminares mostram que minerais que contenham água protegem (pelo menos parcialmente) as moléculas orgânicas da radiação”, clarifica posteriormente. Por tudo isto estas duas missões servem para preparar as futuras missões espaciais de deteção de vida extraterrestre em Marte, e uma docente do Técnico será parte ativa de tudo isto.