Ciência e Tecnologia

Estudo de cientistas do Técnico conclui que atual agricultura biológica não permitiria alimentar toda a humanidade em 2050

O estudo aponta que o caminho para a viabilidade da agricultura biológica passa pela inovação e não dispensa o recurso a animais.

Um estudo desenvolvido por uma equipa de cientistas do Técnico/MARETEC composta pelos investigadores Tiago Morais, Ricardo Teixeira e Tiago Domingos, em colaboração com colegas da Áustria, conclui não ser possível alimentar a Humanidade em 2050 apenas com recurso à agricultura biológica, da forma como esta é praticada atualmente. O estudo, “Agroecological measures and circular economy strategies to ensure sufficient nitrogen for sustainable farming”, agora publicado na revista científica Global Environmental Change, destaca que ao proibir a utilização de fertilizantes de síntese, a agricultura biológica não consegue obter azoto suficiente para ser viável a nível global.

“Os resultados demonstram claramente que a transição completa para produção biológica em 2050, considerando o sistema de produção biológica como ele é atualmente, leva a uma insuficiência de nutrientes para produzir os alimentos necessários para alimentar a população mundial independentemente das mudanças de dieta”, refere o investigador do MARETEC, Tiago Morais.

Esta limitação é resolúvel até 2050, mas apenas através de investimentos em inovação e eficiência na produção agrícola e animal, com redução do desperdício alimentar, diversificação de fontes de fertilizante orgânico e o recurso a energias renováveis.

O estudo evidencia ainda a importância da pecuária nesta equação, uma vez que os animais facilitam a produção biológica sustentável, quer devido ao aproveitamento de pastagens em áreas menos férteis para agricultura, quer para aproveitamento de desperdícios. Fornecem ainda, através do estrume, parte do azoto necessário para as culturas agrícolas e um contributo direto para a alimentação humana – leite, ovos e carne.

Para este estudo, os cientistas usaram um modelo chamado “BioBaM” – desenvolvido por cientistas austríacos que participam na investigação – e que permite rastrear à escala global a utilização de biomassa. Adicionou-se o rastreio do fluxo de azoto associado aos fluxos de biomassa, bem como o balanço de azoto nas culturas agrícolas.

A equipa de investigadores estudou  ainda várias medidas para melhoria dos sistemas produtivos, tais como: a melhoria da eficiência da produção agrícola e animal; a melhoria da fixação biológica de azoto e otimização das rotações agrícolas (apenas nos cenários de agricultura biológica); redução do desperdício alimentar; o uso de fertilizante orgânico obtido de resíduos municipais urbanos e resíduos humanos; descarbonização do processo de fabrico dos fertilizantes sintéticos; e ainda o uso de biogás produzido a partir dos dejetos da produção animal.  Os resultados alcançados tornam evidente que o caminho para a sustentabilidade da produção agrícola terá que passar obrigatoriamente por medidas que visem a melhoria dos sistemas produtivos.

Tiago Morais sublinha que os resultados mostram “que individualmente, nenhuma das medidas consideradas é suficiente para ultrapassar a limitação de azoto – sendo este efeito verificado para todas as alternativas de dieta humana”. “As medidas que contribuem mais significativamente são as medidas agroecologias em combinação com as medidas de economia circular. Pois, aumentando a eficiência do uso de azoto tanto na produção agrícola e produção animal combinadas com a redução dos desperdícios permite que a produção mundial de alimento consiga suprir todas as necessidades”, complementa o investigador.

Ao analisar a aplicação do mesmo nível de inovação à agricultura convencional, os investigadores verificaram que o seu desempenho em termos de emissões de gases com efeito de estufa torna-se equivalente ao da agricultura biológica, permitindo ainda uma menor utilização de área.  “Os resultados mostram que a produção biológica em comparação com produção convencional, ambas com a implementação de medidas de melhoria, leva a menores emissões de gases com efeito de estufa e menores perdas de azoto no solo. Contudo, a produção biológica requer mais área total devido à área utilizada para fixação biológica de azoto feita por leguminosas”, explica Tiago Morais.

O estudo permite ainda retirar algumas conclusões sobre as dietas humanas. No que respeita à agricultura convencional, a que tem menos impacto é a vegan – ou seja, sem nenhuma utilização de produtos animais.  No entanto, e como destaca Tiago Morais, “a continuação de dietas humanas com produtos animais, nomeadamente com carne, torna a produção biológica mais próxima de ser fazível”. “Porém, as dietas com carne necessitam de mais área agrícola e emitem mais gases com efeito de estufa, em comparação com as dietas sem carne ou até mesmo sem produtos animais”, realça o investigador.

Por tudo isto, e como destaca o investigador Tiago Morais “este estudo vem confirmar alguns resultados parciais que já existiam na literatura – o Mundo não pode ser convertido para agricultura biológica se esta for feita como atualmente”.