Há quem a considere o significado do futuro e quem a tenha como o desafio do presente; há os que a imaginam como um perigo para os humanos e outros apontam-na como um aliado de peso; são muitos os que lhe querem descobrir os limites, mas muitos mais aqueles que especulam sobre os mesmos. Foi sobre este mundo de possibilidades e algumas utopias em torno da Inteligência Artificial (IA), recorrendo a algumas certezas e muito conhecimento, que esta quarta-feira, 5 de junho, se realizou o último debate do ciclo de conferências da Culturgest. O professor Arlindo Oliveira, presidente do Técnico, o professor André Martins, docente convidado do Departamento de Engenharia Eletrotécnica e de Computadores (DEEC) e responsável de investigação na Unbabel, e a professora Ana Paiva, docente do Departamento de Engenharia Informática(DEI) e coordenadora do Grupo de Investigação em IA para as Pessoas e a Sociedade (GAIPS) do INESC-ID, foram os oradores convidados a protagonizar o mesmo. A moderar a interessante e diversa troca de ideias esteve o também um docente do Técnico, o professor Tiago Domingos.
“Onde estamos hoje”, “o que podemos esperar do amanhã” e “o que diremos depois de amanhã sobre o que especulamos hoje” foram as deixas das apresentações dos três oradores que antecederam o debate propriamente dito. De formas distintas –ainda que com ideias por vezes idênticas-, partindo do conhecimento que detêm nas suas áreas de estudo e da investigação que já existe, os oradores apresentaram perspetivas distintas sobre a IA e as suas tendências. Enquanto que a professora Ana Paiva se debruçou sobre a contínua delegação da autonomia humana nas máquinas focando a necessidade de os robôs serem programados para serem pró-sociais, o professor André Martins refletiu sobre os erros comuns de especulação em torno da IA enquanto lançava a ideia de vir a ser possível construir máquinas inteligentes sem replicar exatamente os mecanismos do cérebro. Por sua vez, a palestra do professor Arlindo Oliveira rematava na perfeição as intervenções anteriores uma vez que expunha a ideia do longo e incerto caminho a percorrer até que as máquinas possam equiparar-se ao cérebro humano.
“O que está a acontecer com a IA é uma mudança de paradigma na forma como vivemos em sociedade”, começava por salientar a professora Ana Paiva. Enfatizando que há cada vez mais “sinais de que o mundo carece de compaixão e empatia” devido à cada vez maior delegação das tarefas nas máquinas e da desresponsabilização dos humanos, a investigadora do INESC-ID assinalava que o futuro da área deve passar por “contrabalançar os aspetos negativos de tecnologia de forma a contribuir para uma sociedade melhor”. “Temos que pensar uma nova sociedade híbrida onde os humanos e as máquinas podem coexistir e onde as máquinas possam ter um papel tão grande como nós humanos”, adiantava a professora Ana Paiva. Foi com essa nova conceção da sociedade em mente que a oradora abordou a necessidade de pensar e criar os tais “robôs pró-sociais”. “A IA tem que ter em atenção que há efeitos sociais daquilo que produz, e por isso a pró-sociabilidade tem que ser tida em consideração nos algoritmos”, frisava a docente. Foi também nesse sentido que partilhou as suas especulações relativamente ao futuro: “eu não acredito que o inferno das máquinas vá acontecer. Acredito, sim, que as pessoas vão criar agentes que promovem a sociabilidade e a interajuda”.
Na sua apresentação o professor André Martins recorreu à ficção e à História para demonstrar como às vezes o exagero se apodera das especulações em torno da IA, sendo uma tendência comum acabarmos por cair na Lei de Amara – que diz que tendemos a superestimar o impacto das tecnologias a curto prazo e a subestimar o mesmo impacto no longo prazo. Abordando também os avanços registados na área da tradução automática – área de investigação a que se dedica – o orador realçava que esta é sem dúvida “a área dentro da IA mais bem-sucedida”. “A tradução de certos conteúdos melhorou muito nos últimos 5 anos, mas por vezes ainda falha catastroficamente”, garantia de seguida. Ao dar o exemplo da Unbabel que combina IA com a revisão humana, o orador aproveitou para assinalar que esta união é a curto e médio prazo a melhor alternativa para manter a qualidade na tradução de conteúdos. Para o futuro, o professor André Martins não se coibiu de antever “sistemas que vão decidir muita coisa por nós, saber os nossos gostos e preferências e fazer escolhas por nós”, mas terminava concluindo que ainda há “problemas fundamentais que não sabemos resolver para obter comportamento inteligente”. “A IA atual recomenda-nos amigos que concordam connosco, mostra-nos informação que confirma os nossos preconceitos e está calibrada para otimizar funções muito primárias”, descrevia o orador, revelando que a única forma de ultrapassar estes perigos é “criar uma IA mais inteligente”.
O professor Arlindo Oliveira não fugiu ao repto das especulações lançado para este debate e fez até questão de denotar que estas iriam ser frequentes ao longo da sua apresentação. “Algumas das coisas que eu possa referir vão parecer estranhas, mas não se esqueçam disto: não são impossíveis porque a tecnologia evolui de forma exponencial”, declarava o presidente do Técnico. Definindo as duas tendências da IA – a sintética e a bioinspirada – e explicando em que consiste cada uma delas, o docente assinalava que “para já a comunidade científica não sabe como criar sistemas que tenham inteligência artificial geral”.
Apresentando algumas das objeções à ideia de que as máquinas possam vir a ser verdadeiramente inteligentes, mas não esquecendo os desafios legais e sociais, o presidente do Técnico lançava, posteriormente, as suas especulações de longo prazo. Fazendo referência ao Paradoxo de Fermi – que questiona a existência (ou não) de seres vivos inteligentes em outros planetas e galáxias do Universo – o professor Arlindo Oliveira afirmou que “se de facto somos raros ou os primeiros, ou se é raro sobreviver numa civilização temos a obrigação de espalhar a inteligência pela galáxia” e os sistemas de IA podem muito bem ser a única forma de deixarmos essa herança. “Uma civilização superinteligente pode controlar todo o universo de uma forma tão avançada que hoje em dia é impensável” advogava. Para terminar, e de certa forma, sossegando a audiência, o presidente do Técnico explicava que ainda que existam muitas e variadas ideias “não temos nenhuma possibilidade de antecipar com rigor o que vai ser a tecnologia no futuro”.
Quando a palavra passou para a audiência a sede de saber mais foi notória. Médicos, músicos e professores – na condição de interessados pela área e curiosos em relação ao futuro- questionavam os oradores sobre os limites da IA, nomeadamente sobre a capacidade das máquinas aprenderem ética e/ou estética ou sobre a possibilidade de algum dia um computador ter curiosidade ou intuição. Não se pode responder com certezas absolutas se haverá algoritmos que desenvolvam curiosidade ou criatividade, mas por aquilo que se ouviu é óbvio que já estão a ampliar estas capacidades nos humanos.