Longe de serem sustentáveis, os detergentes e cosméticos – assim como muitos tecidos – são responsáveis por um forte impacto ambiental, devido aos produtos químicos que contêm e à grande quantidade de água que necessitam para o seu fabrico. Uma das formas mais promissoras de aliviar este problema passa pela substituição dos agentes químicos – utilizados nos processos industriais para gerar estes produtos – por enzimas, conseguindo tornar as suas fórmulas mais sustentáveis. De acordo com estimativas recentes, a utilização de enzimas em detergentes líquidos, bem como no processamento de têxteis e cosméticos, poderia reduzir as emissões de CO2 em 42 milhões de toneladas por ano. O projeto FuturEnzyme pretende contribuir para tal, através do desenvolvimento de novas enzimas microbianas que possam também satisfazer as exigências tanto dos consumidores, como da indústria.
Apesar de auspiciosa, esta substituição parece ainda não ter conquistado o mercado, visto que só 10% dos atuais produtos de consumo contêm enzimas. Isto deve-se quer ao seu elevado custo, quer ao seu baixo desempenho, uma vez que, por exemplo, estas são desativadas por outros componentes dos detergentes. É aqui que entra o consórcio multidisciplinar do FuturEnzyme, que com as suas competências e vontade de fazer a diferença, pretende “desenvolver enzimas que possam substituir catalisadores químicos e as enzimas atuais, que são caras e pouco eficientes, para a produção de detergentes, têxteis e cosméticos com elevado nível de funcionalidade e sustentabilidade”, tal como nos explica a professora Carla de Carvalho, investigadora do Instituto de Bioengenharia e Biociências (iBB), docente do Departamento de Bioengenharia (DBE) e líder da equipa do Técnico que integra o projeto.
Segundo a docente do Técnico, “o objetivo não é a produção de novos tipos de produtos, mas o melhoramento daqueles que já estão no mercado e que são amplamente aceites pelos consumidores. De acordo com os parceiros industriais, são necessárias novas enzimas que suportem formulações em produtos mais exigentes ambientalmente e que possam ser adicionadas como ingredientes ativos em produtos a serem utilizados em todo o mundo”.
Existentes em todos os organismos vivos, as enzimas são responsáveis pela catálise das reações bioquímicas que ocorrem nas células. Os diferentes parceiros do projeto irão procurar enzimas em microorganismos ou nas suas sequências genéticas. Para o seu isolamento, produção e melhoramento irão usar várias técnicas, nomeadamente big biodata mining e bio-prospeção, machine learning e engenharia de proteínas, nano-biotecnologia, fermentação e processos de recuperação e purificação de proteínas, e testes em escala pré-industrial.
O consórcio multidisciplinar do FuturEnzyme, liderado pelo Dr. Manuel Ferrer do Conselho Superior de Investigações Científicas (CSIC), é composto por 16 parceiros académicos e industriais europeus de Espanha, Áustria, Itália, Portugal, Reino Unido, Suíça e Alemanha.
Além da professora Carla de Carvalho, integram a equipa do Técnico os professores Joaquim Sampaio Cabral e Pedro Fernandes, e os alunos de doutoramento Carlos Rodrigues e Ricardo Pereira. Ficará a cargo deste grupo de trabalho a procura de enzimas mais ativas em bactérias marinhas isoladas de amostras recolhidas na costa Portuguesa e o desenvolvimento de técnicas para crescer essas bactérias em laboratório. “Além disso, iremos fazer a produção em pequena escala das enzimas, caracterizá-las, e testar a sua eficiência durante o aumento de escala para reatores maiores”, evidencia a professora Carla de Carvalho. Os investigadores do iBB participarão também “na seleção das melhores enzimas, no desenvolvimento dos bioprocessos para a produção dos novos produtos, e na avaliação da sua sustentabilidade ambiental”.
O projeto que começou no dia 1 deste mês, conta com um financiamento de quase seis milhões de euros do Horizonte 2020, e desenrolar-se-á até 2025.