Em torno dos desenvolvimentos das tecnologias interativas, como a realidade virtual e aumentada e técnicas de Inteligência Artificial (IA), e da sua presença cada vez mais impactante na nossa vida, são muitos os que teimam em questionar se estas são realmente “forças do bem”, que ajudarão a melhorar o nosso planeta e a nossa sociedade. O projeto MEMEX dá resposta a algumas destas questões, assumindo-se como uma prova de como as tecnologias interativas podem ser um aliado de peso no combate à exclusão social. O projeto iniciado recentemente, coordenado pelo do Dr. Alessio del Bue do Istituto Italiano di Tecnologia, terá a duração de três anos, e conta com o conhecimento e a vontade de mudança de vários investigadores do Instituto de Tecnologias Interativas (ITI- LARSyS).
Através da narração inclusiva de histórias e de muita tecnologia, o MEMEX procurará ajudar indivíduos e comunidades marginalizados a sentirem-se parte da sociedade. “O projeto MEMEX promove a coesão social através de ferramentas colaborativas relacionadas com o património cultural (CH) e, ao mesmo tempo, facilita encontros, discussões e interações entre comunidades em risco de exclusão social”, começa por explicar a professora Valentina Nisi, docente do Técnico, investigadora do ITI e uma das responsáveis por este projeto. Recorrendo a ferramentas como a realidade aumentada e técnicas de IA para deteção do contexto envolvente, o projeto dará às comunidades a possibilidade de unir “as suas experiências e memórias fragmentadas em histórias convincentes e geolocalizadas utilizando novos conteúdos digitais personalizados”, tal como explica a docente.
Este projeto que integra o programa de investigação e inovação da União Europeia (H2020), permitirá desenvolver, ao longo dos próximos três anos, novas tecnologias interativas e de IA que possam ajudar a facilitar o aumento da colaboração e inclusão das comunidades. “O MEMEX foca-se em três tecnologias reutilizáveis essenciais: um gráfico de conhecimento, para a criação de novas infraestruturas para a exibição e interação do Património Cultural geolocalizado; a localização automática de utilizadores e objetos por computador; e por último, mas não menos importante a narração de histórias através de Realidade Aumentada”, evidencia a professora Valentina Nisi.
Recorrendo a uma aplicação (app) instalada num smartphone, os utilizadores poderão visualizar histórias relacionadas com as suas memórias pessoais e aceder a vários tipos de experiências. A app concebida para uma grande variedade de públicos, tendo em conta as várias especificidades de deslocação- pelo espaço urbano, a visita a museus e instituições de preservação do património- permite que o utilizador ligue o seu material ao gráfico e base de dados de conhecimento MEMEX. A interface da aplicação permitirá ainda aos utilizadores anotar, através de Realidade Aumentada (RA), qualquer objeto físico ou local com as suas memórias sob a forma de imagens digitais, vídeos, gravações de áudio ou até texto. De seguida, as comunidades em questão, serão capazes de conectar as suas experiências e memórias com um novo Knowledge Graph (KG), correlacionando itens de património cultural e lugares. “Efetivamente, os utilizadores do MEMEX serão atores ativos na formação de conteúdos contemporâneos e históricos, incluindo novos materiais relacionados com as suas experiências e memórias, na personalização do património cultural e conteúdos multimédia criativos”, denota a professora Valentina Nisi.
Inicialmente, a aplicação MEMEX será alimentada por comunidades migrantes que desempenharão o papel de contadores de histórias. Mobilizar e envolver os elementos destas comunidades não será difícil, uma vez que, como realça a professora Valentina Nisi, estas são compostas por “pessoas socialmente frágeis que são sistematicamente bloqueadas de várias oportunidades e recursos culturais, normalmente muito disponíveis para membros de um grupo diferente, e que são fundamentais para a integração social”. Como público-alvo, num primeiro momento, a MEMEX terá um lote de instituições especiais e ONG’s que tratarão de se ligar às comunidades migrantes. Num futuro próximo, as escolas seriam também protagonistas desejáveis nesta mudança de paradigma social. “As escolas seriam um utilizador bem-vindo dessa aplicação e seria ótimo se professores e educadores a utilizassem para apresentar conteúdos multiculturais aos seus alunos”, assume a investigadora do ITI.
O primeiro estudo de investigação no âmbito deste projeto teve lugar em Lisboa e foi liderado pelos investigadores do ITI Vanessa Cesário, Dan Brackenbury, Valentina Nisi e Nuno Nunes, a empresa Mapa das Ideias e a ONG Instituto Marquês de Valle Flôr. Os participantes migrantes, 10 jovens adultos, foram convidados a participar num desafio fotográfico de uma semana, tendo que captar através da sua lente locais que lhes transmitissem um valor significativo. De seguida, todos os participantes participaram de um workshop de co-design, no qual os participantes exploraram as fotografias e juntos co-criaram histórias em torno dos locais, ligando-as com as suas memórias. “Este estudo de investigação tem como objetivo responder às seguintes questões: Como é que os participantes contam uma história? O que é importante quando se conta uma história? O que é os mesmos assumem como Património Cultural? Como é que os participantes se vão relacionar com as histórias uns dos outros?”, sublinha a professora Valentina Nisi. “Os dados qualitativos da sessão – áudios, vídeos e histórias co-criadas – estão a ser analisados de modo a construir cenários de utilizadores finais, definindo os requisitos que a aplicação MEMEX deve ter, e ajudando e definir a principal metodologia piloto a assumir com as partes interessadas”, acrescenta ainda a docente.
O envolvimento de investigadores do Técnico neste projeto surgiu de forma muito natural, orientada pela “longa história de colaboração do Técnico com as principais instituições de pesquisa da Europa”, e também no seguimento da profunda e frutífera ligação entre as várias entidades envolvidas. No plano de execução do projeto, cabe ao ITI a gestão do aspeto de Interação Pessoa-Máquina, coordenando os estudos relacionados com o utilizador, de modo a reunir os principais requisitos a seguir pela aplicação. “Isto significa que os investigadores do ITI serão responsáveis por compreender as necessidades das três comunidades migrantes [que farão os testes piloto] e traduzi-las em características acionáveis da aplicação”, explica a professora Valentina Nisi. “Além disso, com base nos dados recolhidos, o ITI-LARSyS será responsável pelo desenvolvimento de uma ferramenta de narração de histórias que facilitará a recolha de histórias das próprias comunidades migrantes”, acrescenta a docente do Técnico.