O Centro de Recursos Naturais e Ambiente (CERENA) criou recentemente um modelo que permite avaliar a dispersão espacial do risco de infeção da COVID-19 para toda a área geográfica de Portugal Continental. O modelo permitiu gerar mapas de risco – compostos por várias cores que nos ajudam a perceber os diferentes níveis de risco de infeção – que conjugam os casos reportados pela Direção-Geral de Saúde (DGS) com o número de habitantes de cada concelho, bem como a incerteza associada ao risco.
“Para além do mapa do risco, o modelo desenvolvido permite gerar um mapa que indica em cada localização a incerteza que temos na estimação do risco, ou seja, o modelo é capaz de refletir a incerteza associada aos erros de amostragem e à dimensão da população do concelho”, explica a docente do Técnico e também investigadora do CERENA envolvida neste projeto, professora Maria João Pereira. “Os nossos modelos têm ainda a vantagem de desagregar os dados, ou seja, os fenómenos de contágio ‘desconhecem’ o limite dos concelhos, e este tipo de modelos permite ver o fenómeno no espaço de forma contínua, para melhor identificar os riscos na sua dimensão espacial”, explica a investigadora. “Na realidade, estamos a registar a história ‘espacial’ da pandemia em Portugal”, destaca a docente do Técnico.
Além de ser extremamente útil para identificar áreas com uma percentagem de risco de contágio mais elevado, este registo pode ser imensamente proveitoso para ativar medidas de prevenção por parte das entidades de saúde como, por exemplo, a implementação de cercas sanitárias. “Estes mapas permitem identificar as dinâmicas locais da infeção e ajudar a gerir melhor as medidas de prevenção, como, por exemplo, áreas de isolamento que não têm de necessariamente corresponder à área dos concelhos”, evidencia a professora Maria João Pereira. Além disso, estes mapas permitem também monitorizar o efeito das medidas aplicadas no terreno. A equipa do CERENA acredita que o lote de potencialidades oferecidas por estes mapas poderá ser ainda mais alargado na fase seguinte da pandemia em Portugal. “Depois de atingirmos o pico ou plateau da pandemia, e sendo necessário começar a decidir medidas que nos permitam um regresso à ‘normalidade’, a história contada por estes mapas pode ajudar os decisores nas várias etapas”, realça a investigadora do CERENA. “Por outro lado, agora que vamos precisar de começar a monitorizar a imunidade pode ser útil para planear a amostragem estratificada no espaço. A informação que resulta dos mesmos será também um importante guia de aprendizagem para o futuro”, refere ainda a docente.
Estes mapas de risco de infeção resultam de um modelo de simulação estocástica que tem por base as taxas de infeção comunicadas por município, os padrões espaciais da contaminação e a incerteza associada que deriva de várias origens, desde a variabilidade local dos fenómenos até à pequena dimensão populacional de alguns concelhos. “O modelo integra a incerteza dos próprios dados e a incerteza/erro resultante da dimensão da população. Uma mesma taxa de infeção tem maior erro se for medida numa pequena comunidade do que num populoso município”, explica a investigadora do CERENA. Neste momento, os modelos combinam as observações acumuladas ao concelho e a população residente, mas a equipa de investigadores está já a trabalhar no sentido de associar outras variáveis que podem vir a ser relevantes para melhor caracterizar o risco efetivo de infeção como, por exemplo, a mobilidade ou as condições socioeconómicas. “O Técnico, através do CERENA e ITI-LARSYS, acabou de assinar um protocolo com a NOS que permitirá a utilização dos dados de mobilidade”, adianta a professora Maria João Pereira.
A vontade de contribuir nesta luta contra a pandemia através do desenvolvimento deste modelo surgiu assim que o “número de infetados por COVID-19 começou a crescer em Portugal”. “Após uma fase de conceptualização do modelo, a sua implementação efetiva começou quando os primeiros dados de casos confirmados de COVID-19 por concelho começaram a ser disponibilizados por concelho no site da DGS”, recorda a docente do Técnico. Pelo caminho, a equipa de investigadores composta pela professora Maria João Pereira e pelos professores Amílcar Soares, Manuel Ribeiro e Leonardo Azevedo não encontrou grandes dificuldades, uma vez que “o grupo tem bastantes ferramentas desenvolvidas internamente e experiência na aplicação de modelos a fenómenos relacionados com epidemiologia ambiental”, como sublinha a docente do Técnico. “Estes fenómenos de contágio de infeções são muito estruturados espacialmente, e neste caso particular da COVID-19 isso veio precisamente a verificar-se. Os nossos modelos geoestatísticos são modelos estatísticos adequados para modelar padrões espaciais a partir de dados geo-localizados”, esclarece, ainda, a docente.
A capacidade que este modelo tem de “integrar um conjunto grande de variáveis e fatores que podem ajudar a explicar e a gerir este fenómeno” é para a professora Maria João Pereira a sua maior potencialidade. A juntar a isto, a docente volta a salientar o apoio que estes mapas representarão no futuro para ajudar a analisar tudo o que foi acontecendo ao longo da pandemia em termos de espaço. “Por último, estes modelos têm potencial de serem aplicados a outros países”, sublinha ainda a docente, adiantando que este é um objetivo em que a equipa irá começar a trabalhar desde já, em conjunto com colegas de outros países. A equipa de investigadores do Técnico está também a preparar a construção do mapa de risco de infeção dos Açores e da Madeira.
A investigadora do CERENA alerta para o facto de que “os nossos mapas devem ser analisados em conjunto, para verdadeiramente se explorar todo o seu potencial”. “A incerteza faz parte dos dados e dos modelos e por isso é que existe sempre risco na tomada de decisão, e os decisores intuitivamente reconhecem a natureza do risco nas suas decisões, mas raramente usam a incerteza dos modelos no processo de decisão”, reitera.
Pela perceção que oferecem do risco de contágio da COVID-19 não há dúvidas que estes mapas funcionam como “um excelente instrumento de gestão desta pandemia”, como, aliás, salienta a professora Maria João Pereira. Embora compita às autoridades de saúde decidir sobre a melhor forma de comunicar com a população e decidir os alertas e medidas a implementar, a docente do Técnico frisa que “num processo como este em que a colaboração da população é crucial para ajudar a controlar a situação os mapas resultantes dos modelos podem ser úteis para ajudar a população a compreender o que se está a passar e como vai evoluindo a pandemia de forma consciente, sem fomentar alarmismos mas também sem esconder a realidade”.
À data desta segunda-feira, 6 de abril, os mapas mostram que existe já uma mancha de risco de considerável de valores elevados em torno do Porto, que tem vindo a aumentar de extensão gradualmente nos últimos dias, afetando vários concelhos. Também no nordeste transmontano se nota o aumento gradual da área afetada. Começou a aparecer uma área de risco mais elevado na zona centro junto a Coimbra e Pombal, mas ainda de extensão média, enquanto que no restante território de Portugal Continental o risco permanece baixo a moderado.