O Nobel da Física 2019, anunciado esta terça-feira, dia 7 de outubro, foi para, Michel Mayor, Didier Queloz e James Peebles por contribuições que nos permitem hoje uma perceção diferente do Universo. Os dois primeiros foram responsáveis pela descoberta de um exoplaneta que orbita à volta de uma estrela semelhante ao Sol. O terceiro é um dos pais das teorias cosmológicas que explicam como o universo surgiu e como tem evoluído. No anúncio em Estocolmo, o comité que atribui o prémio anunciava que estas descobertas “mudaram para sempre nossas conceções de mundo”. No Técnico, os professores Vítor Cardoso e José Sande e Lemos que trabalham em Cosmologia e Astrofísica comentam “o avanço extraordinário” que estas descobertas representam e o mérito dos laureados.
“O trabalho do Phillip James Peebles é um trabalho teórico de fundo, com previsões novas para Física que era pouco ou nada conhecida quando ele trabalhou no assunto”, comenta o professor Vítor Cardoso, docente do Técnico e investigador do Centro Multidisciplinar de Astrofísica e Gravitação (CENTRA) do Instituto Superior Técnico, em Lisboa.“Por outro lado, o trabalho de Michel Mayor e Didier Queloz é impressionante tecnologicamente, e com implicações profundas para nós enquanto espécie”, complementa de seguida. Para o docente do Técnico, os dois trabalhos laureados são distantes na sua essência e por isso foi com alguma surpresa e admiração que recebeu a notícia da sua atribuição conjunta. Ainda assim, sublinha que ambos representam “um avanço extraordinário”.
Ora se o trabalho de Peebles é fundamental para o entendimento moderno da história do universo alicerçando “aquilo que hoje chamamos de cosmologia observacional e teórica”, como salienta o professor Vítor Cardoso, por sua vez a investigação de Mayor e Queloz é considerada uma revolução na astronomia. Ainda que sem conhecer muito bem o trabalho destes últimos, o professor Vítor Cardoso não tem dúvidas em afirmar que o trabalho dos mesmos “tem um impacto diferente, obrigando-nos a pensar sobre o nosso lugar no cosmos”. “Claro que o prémio foi dado também para as novas técnicas que permitiram a identificação destes novos planetas”, frisa ainda.
No caminho da procura e produção de conhecimento são muitos os caminhos que se cruzam. Agora, o professor José Sande Lemos, docente do Técnico e presidente do CENTRA, pode dizer que pelo seu passou o vencedor de um Nobel. Enquanto estava a fazer o seu doutoramento na Universidade de Cambridge, em Inglaterra, o docente do Técnico conheceu James Peebles. Em 1986, o investigador da Universidade de Princeton visitou Cambridge, proporcionando-se a oportunidade de o professor José Sande Lemos o conhecer e com ele aprender. “Aproveitei a estadia dele para ter várias conversas sobre cosmologia em geral e sobre as soluções para o universo em expansão que eu estava então a explorar. Essas soluções serviram também posteriormente para mostrar a formação de buracos negros por colapso gravitacional”, recorda o docente.
Partilhando o seu contentamento com a atribuição deste prémio que considera “muito merecido”, o presidente do CENTRA afirma que este galardão reconhece “os desenvolvimentos fantásticos continuados que ele [Peebles] proporcionou à cosmologia durante décadas desde o início dos anos 1960″. “Existem dois tipos de Prémios Nobel, com gradações. Num tipo de Nobel, o galardoado ganha prestígio por ter recebido o prémio. No outro, o Prémio Nobel ganha ele próprio prestígio por ter galardoado alguém fora de série. Neste último tipo encontram-se os exemplos de Einstein e Dirac entre outros. Peebles está no meio”, refere o professor José Sande Lemos.
Os últimos anos têm sido de grande alegria para quem trabalha nesta área, não só pelas descobertas que têm sido feitas, mas pelo reconhecimento das mesmas através de diferentes modos, nomeadamente com os Prémios Nobel da Física. Em 2016, o importante galardão foi para fases topológicas da matéria que desvendou segredos exóticos que desconhecíamos existentes na matéria, “um trabalho belíssimo merecedor do Nobel”, como refere o professor José Sande Lemos. Em 2017, aquele que é considerado o mais prestigiado galardão da área foi atribuído à deteção em 2015 de ondas gravitacionais. Este ano, a notícia dos vencedores do galardão voltou a ser motivo de celebração para quem trabalha na área. No CENTRA não se deixou passar a oportunidade para brindar “à cosmologia e ao seu futuro”. “Temos estado em constante festa”, diz o professor José Sande Lemos.
Para o professor Vítor Cardoso não há dúvidas de que este reconhecimento permanente reflete o impacto cada vez maior desta área. “Talvez não seja exagero dizer que é cada vez mais difícil encontrar as energias, e o financiamento, necessários para procurar nova Física cá na Terra. A opção clara é o universo, que é uma fonte praticamente inesgotável de energia”, afirma. “As últimas décadas mostram isso, e tornou-se agora claro que o futuro de Física fundamental passa pelo espaço exterior à Terra também”, adiciona.
Tal como Peebles, também no Técnico se procura descobrir mais sobre a história do Universo. “O meu trabalho foca-se sobre buracos negros enquanto motores para descoberta: como laboratórios onde podemos testar a Relatividade Geral, e como detetores de matéria escura”, esclarece o professor Vítor Cardoso. “De alguma forma, o trabalho do meu grupo também tem como objetivo compreender a matéria escura e os seus efeitos, mas numa escala mais pequena que a do Peebles. A razão é que podemos ver ondas gravitacionais desde há 3 anos, chegou a altura de compreendermos buracos negros”, evidencia ainda o investigador do CENTRA. Quanto ao trabalho de Michel Mayor, Didier Queloz, o docente do Técnico explica que “há pouco em comum” excetuando claro que se centram igualmente em “astrofísica excitante e importante”.