Campus e Comunidade

A cultura como arma contra a ditadura

No debate da passada quinta-feira, 27 de setembro, integrado no leque de iniciativas sobre o Movimento Estudantil no Técnico, o cerne da discussão foi a intensa atividade cultural que o caraterizou.

Num evento que procurava expor as atividades culturais que pautaram o Movimento Estudantil no Técnico, que bonito que foi ver a cultura subir ao palco, não apenas por meio das recordações e das palavras. Também por isso, mas não só, o debate organizado pela Associação dos Estudantes do Instituto Superior Técnico (AEIST) na passada quinta-feira, 27 de setembro, foi especial. Além dos largos minutos em que foi possível viajar na história através de algumas das músicas que compuseram a banda sonora da época, foi muito fácil perceber através dos relatos a forma como a cultura serviu de escape à ditadura, abrindo mentes, construindo a aprendizagem, catapultando o desassossego e a vontade de lutar por um mundo melhor.

Manuel Freire e Francisco Fanhais deram os primeiros acordes de uma intensa e extensa conversa. Os dois cantores, que viveram de perto o Movimento Estudantil, presentearam a audiência com várias músicas que marcaram os tempos da ditadura e o espírito de quem a combateu. Antes de cada melodia, faziam questão de partilhar algumas histórias vividas que permitiam aos ouvintes entender a força e nostalgia com que entoavam os poemas. Ao fim de cada interpretação um aplauso intenso de quem recebeu a mensagem. Foi a abertura ideal para o painel de memórias que se seguiria.

Jorge Simões e Carlos Lopes foram os oradores que se seguiram num debate moderado por Carlos Braga, todos eles envolvidos na atividade cultural da AEIST entre 1967 e 1974. O primeiro a intervir foi exatamente Carlos Braga, que fez questão de lembrar a panóplia de grupos e iniciativas que foram surgindo ao longo dos tempos e demarcar a Associação dos Estudantes do Técnico como “um dos centros mais dinâmicos da atividade cultural em Lisboa”. “As atividades eram uma fonte de prazer e de conhecimento, uma afirmação de liberdade contra a ditadura e as normas repressivas que a sociedade cinzenta tentava impor”, realçava o moderador do debate. O movimento estudantil enquanto “espaço de liberdade e de criatividade” impulsionou dentro da AEIST uma vontade de informar, criar, contagiar com a mudança, o que levou ao veloz aparecimento e crescimento das publicações periódicas, à composição de canções de intervenção, ao aparecimento e apostas nos cadernos culturais, à promoção de cursos sobre diversos temas, à realização constante de debates, entre uma extensa lista de atividades que cobriam todos os gostos e talentos. “As publicações da AEIST transmitiam informação e punham ideias à discussão”, realçava Carlos Braga. “Outro veículo de informação era o jornal de parede, criado à entrada da AEIST, e onde cada um podia afixar o que queria. Era talvez o espaço mais completo e livre de informação em Lisboa”, destacava de seguida Carlos Braga. A explicação do moderador da sessão ia sendo temperada com detalhes não só sobre as outras iniciativas, mas sobre os tempos que se viviam. Um ambiente social, económico e político que tornava a cultura um ponto de fuga e simultaneamente de rebelião.

Outra das atividades mais reconhecidas e acarinhadas, e ainda hoje lembrada, era o grupo de teatro da AEIST que funcionava como um espaço de formação artística, cultural, política, mas também humana. Foi desse papel determinante que falou Carlos Lopes na sua intervenção: “No grupo de teatro nós tínhamos consciência que éramos uma minoria, mas tínhamos a ideia que a nossa participação, a nossa ação cultural poderia ser um elemento de mudança na sociedade”, referiu o orador. “Nós queríamos através da nossa atividade modificar a sociedade, fazer produções que fizessem a diferença”, completou de seguida. Fazendo referência a algumas das peças mais conhecidas e com mais impacto, ia explicando o que movia e prolongava os serões do grupo “até às duas ou três da manhã”: “O nosso percurso foi forte, pautado pela inquietação, e a cultura funcionou como elemento de intervenção, de mobilização e de mudança”, afirmava o antigo elemento do grupo de teatro da AEIST.

Jorge Simões, que estava à frente da Cabine Sonora – estação de rádio da AEIST-, ainda se lembra do silêncio que dominava a cantina quando a emissão começava. Além da informação que difundia, a estação não calava o que o regime queria silenciar.  Na sua intervenção, porém, o antigo locutor da rádio, mesmo tendo “plena noção da importância deste canal de comunicação naquilo que foi o movimento estudantil”, quis dar uma especial ênfase àquele que na sua opinião foi um dos “momentos mais determinantes para todos nós”. “Foi uma pequena revolução espiritual e cultural. Pela primeira vez a academia conheceu, no meio de uma tragédia, a realidade de um país que desconhecíamos”, declarava o orador.  Destacando mais uma vez o papel da AEIST no movimento estudantil, Jorge Simões não se quis alongar muito porque, na sua opinião, a riqueza de contar esta história está na “variedade de vozes que o podem fazer”. E assim, e durante largas horas, a partilha sobre a cultura de inquietação e os muitos e diversos meios de propagação da mesma alastrou-se a toda a sala e compôs-se com os detalhes de cada um.