O Técnico foi uma escolha natural para Mariana Araújo, norteada pelo talento e gosto inato pelas ciências exatas. A escolha ponderada do curso de Engenharia Física Tecnológica rapidamente se revelou acertada, e cadeira após cadeira a sua vontade de aprender era genuinamente espicaçada. A meritocracia que a persegue desde criança não a abandonou no Técnico- em muito estimulada por essa sua ânsia permanente de aprender – e em 2017 completa o curso com 19 valores, uma classificação que repete na dissertação de mestrado. Mais do que uma opção profissional percebe-se rapidamente que a investigação é um ímpeto na vida de Mariana. Não atribuí demasiada importância a prémios, mas sabe que a mensagem por detrás dos mesmos faz diferença. Não gosta de fazer muitos planos para o futuro, mas sabe o que quer dele.
Começando pelo princípio da tua ainda curta carreira e pela escolha que no fundo te leva a hoje estar aqui. Porquê o Técnico e porquê Engenharia Física e Tecnologia?
A escolha do Técnico acontece porque já conhecia a escola, uma vez que tanto o meu pai como o meu irmão são do Técnico. O meu irmão, aliás, ainda estudava cá quando eu entrei. Eles não influenciaram de forma direta a minha escolha, simplesmente do que ouvia deles, e já sabendo de antemão que queria vir para um curso de ciências, o Técnico era a melhor opção. A escolha da Física acontece depois ao consultar a lista dos cursos do Técnico. Houve logo cadeiras do curso que me pareceram as mais interessantes. A verdade é que eu já gostava de física no secundário, embora gostasse mais de matemática. A determinada altura estive indecisa entre ambos os cursos.
Sempre foste boa aluna?
Sim, sempre. Embora houvesse algumas disciplinas que me interessavam mais e isso refletia-se nas notas que tirava. Mas bom, na altura em que entrei a média de Física não era uma das mais altas do país, era 16 ou 17 valores e, portanto, nem havia essa pressão de precisar de ter uma das melhores médias de entrada.
Sim, hoje em dia, Engenharia Física e Tecnológica é um dos cursos com a média de entrada mais alta. Achas que este interesse massivo pela área por parte dos melhores alunos vem de onde?
Acho que é em parte o resultado daquele mesmo fenómeno que atinge o curso de Medicina e que se traduz no facto de se considerar que os cursos de médias mais altas são os melhores e os mais exigentes e isso acaba por atrair os melhores alunos. Depois, e pessoalmente, acho que os bons alunos também veem isso, a Física é interessante porque é o essencial de todas as coisas, e há tantos aspetos diferentes na área que acaba sempre por haver algo que encaixa nos interesses de qualquer pessoa. Há ainda a questão de a Física ter ganho espaço nos jornais e na televisão, como por exemplo com as notícias sobre os Prémios Nobel e toda a informação em torno disso, o que acaba por chamar mais a atenção e despertar a curiosidade.
Além de ser um curso com uma média de entrada alta, é um curso exigente, também, certo? O que é que é preciso para se ser realmente bom?
É preciso ser bom a Matemática (risos). É preciso essencialmente ter interesse, é muito importante gostar. Física tem muito a ver com perceber como é que as coisas funcionam e por isso tem que haver um interesse, temos que nos sentir estimulados pelas coisas que aprendemos e ter vontade de ir mais além, sempre.
Na tua tese de mestrado exploras o modelo padrão, uma das teorias mais bem-sucedidas sobre a composição da matéria. Como é que se dá a escolha do tema desta tese cujo resultado final é a extraordinária classificação de 19 valores?
Sempre estive mais interessada pela Física de Partículas porque é o nível mais fundamental da Física e por aproximações acaba por explicar tudo o resto. Sempre que se quer fazer estudos de Física de Partículas é essencialmente através do modelo padrão. É difícil identificar o momento em que decidi que gostaria de explorar isto na minha tese porque foi tudo um processo gradual, mas houve um momento que talvez tenha contribuído para tal. Em 2016, um ano antes da tese, fui fazer um estágio de verão no CERN, e foi aí que tive a perceção real do que era trabalhar em Física de Partículas e gostei bastante… Gostei das análises que faziam, da teoria que estava por detrás das mesmas. E talvez tenha sido esse o momento-chave.
Foi um momento importante na tua experiência académica, afinal foi esse estágio que te aproximou daquilo que é hoje a tua realidade profissional, certo?
Sim. O estágio no CERN foi sugerido pelo docente de Mecânica Quântica, o professor Filipe Joaquim, que acabou por ser o meu orientador da tese. Passei 8 semanas em Genebra, e basicamente cada um de nós tinha um orientador associado que nos dava tarefas para irmos contribuindo para um dito projeto. Eram tarefas relacionadas com a análise, mas usam-se ferramentas tão específicas para fazer essas análises que em 8 semanas não conseguimos fazer muito mais. Mas além dessa aprendizagem, no seguimento do estágio fui encorajada a contribuir para outro trabalho que estavam a fazer mais a nível fenomenológico, e acabei por continuar a trabalhar nisso durante o ano seguinte todo, e funcionou tão bem que, hoje em dia, são investigadores desse projeto que são a minha equipa de orientação do doutoramento.
É [o CERN] um outro mundo, quase encantado para quem trabalha na área, não?
A realidade do CERN é, de facto, outra. Tudo está sujeito a grandes níveis de segurança, sendo que vários serviços do CERN exigem certificações concretas. As instalações são muito grandes, são alguns quilómetros…. Ter lá estado foi muito bom, e poder, hoje em dia, trabalhar diretamente com o CERN, ter acesso às ferramentas, dados e investigadores deles é de facto algo prestigiante. É o melhor que se pode pedir em Física de Partículas Experimental.
Sempre quiseste investigação, ou isso foi uma oportunidade que surgiu e acabaste por abraçar naturalmente?
Sempre gostei muito da área de investigação. No secundário até tinha ideia de ser professora. Sempre adorei aprender e ensinar, e em investigação estamos de forma recorrente a aprender, quanto ao ensinar logo se vê se consigo…
O que é que te apaixona no teu dia a dia?
O meu trabalho propriamente dito é fazer medidas de precisão, está relacionado com cromodinâmica quântica que é a parte menos compreendida do modelo padrão porque é a parte que é mais difícil de calcular teoricamente. Acho que é interessante porque o quarkónio é basicamente a maneira mais simples para estudar a cromodinâmica quântica, e nesse aspeto qualquer medição nova que seja feita no quarkónio indica se os modelos teóricos que estão desenvolvidos estão certos ou têm de ser readaptados. Não é nova física, mas de certa maneira é nova física… (risos)
A investigação na área da física gira muito em torno disso: contradizer o que está postulado e por outro lado mostrar que há muito para além disso, estou certa?
Sim, e é aí que reside a paixão dos novos investigadores. A ideia geral é contrariar o que já existe e mostrar que de facto há muito mais para além do que já conhecemos.
Regressemos de novo à tua entrada no Técnico, agora para falar um bocadinho sobre a disparidade de géneros que ainda caracteriza muitos cursos do Técnico. Sentiste muito isto quando ingressaste?
Quando entrei ainda se notava muito essa maioria de rapazes no curso. Hoje em dia já está mais equilibrado, mas nunca senti nenhum género de preconceito ou pelo menos de forma direta. É inevitável, claro, estando numa escola maioritariamente e tradicionalmente de rapazes haver aquela ideia que eu é que sou o corpo estranho e é incontornável sentir que somos a minoria.
Essa disparidade também se faz notar no teu grupo de investigação? E no CERN pareceu-te haver uma predominância masculina?
No meu grupo específico há uma maioria de homens, principalmente nos cargos mais seniores. Ao nível do CERN não consigo ter bem essa perceção porque quando lá estive interagi mais com as pessoas do meu grupo, mas julgo que já existe um universo feminino considerável, e bom a diretora-geral do CERN é uma mulher, portanto com certeza estão atentos ao talento feminino.
A verdade, é que apenas 28% do total de investigadores de todo o mundo são mulheres. Porque é que achas que apesar de existirem cada vez mais modelos de sucesso no feminino nesta área, ainda é tão difícil diminuir este desequilíbrio?
Em geral esses números ainda são o resultado de ideias que estão incutidas nas pessoas propagadas com comentários muito pequenos, que por vezes são ditos sem uma intenção negativa, mas que acabam por dar a ideia que as ciências exatas são para os rapazes e as ciências sociais são mais para as raparigas. Juízos que podem parecer inofensivos, mas acabam por fazer com que essas ideias sejam internalizadas e muitas raparigas fujam da Engenharia e da Ciência.
Relativamente ao Prémio Maria de Lourdes Pintasilgo que acabas de receber. Qual foi a tua reação quando soubeste que eras a recém-graduada contemplada?
Fiquei surpreendida por ser a vencedora. Não estava à espera de ganhar, mas fiquei muito feliz principalmente pelo que o prémio representa.
Consideras importantes estas iniciativas para combater os tais estereótipos que afastam as mulheres da ciência?
Claro, para lembrar às pessoas em geral, e mostrar às mais jovens em particular, que as mulheres podem ir para ciências e ser bem-sucedidas em qualquer área.
O que é que esperas que o futuro te traga?
Quero continuar a trabalhar em investigação, e se possível estar inserida numa universidade onde possa dar aulas. Gostava de continuar no Técnico, mas tenho noção que é complicado, porque os padrões dos professores do Técnico são bastante altos. Há várias cadeiras do meu curso que eu não me importava de dar…(risos). Além disso, gostava de conseguir continuar a trabalhar em Portugal, viajando em trabalho, mas não tendo que me mudar permanentemente para outro país.
Podemos esperar um Prémio Nobel?
Não sei, é difícil…. (risos)