O projeto “Engenheiras Por Um Dia” prossegue a missão de atrair mais jovens raparigas para a área das STEM (Science, Technology, Engineering and Mathematic) desde 2017, e por isso mesmo juntou-se esta quinta-feira, 23 de abril, às comemorações do Dia Internacional das Raparigas nas Tecnologias da Informação e Comunicação (Girls in ICT Day, em inglês). Através de vários webinars, foram várias as profissionais da área das TIC que partilharam o seu trabalho e percurso. Catarina Botelho, investigadora do Instituto de Engenharia de Sistemas e Computadores – Investigação e Desenvolvimento (INESC-ID), e Rute Luz, investigadora do Instituto de Sistemas e Robótica(ISR), foram duas das representantes do Técnico que usaram a sua paixão pela tecnologia para inspirar as mais jovens.
“A sessão correu bem, foi uma espécie de conversa bastante informal e relaxada entre as profissionais e a turma de alunos”, afirma em jeito de balanço a investigadora do ISR. A acompanhar Rute Luz na sessão, estavam também Carina Andrade, em representação da IEEE Women in Engineering, e a professora Carla Silva da Universidade Atlântica. “Todas partilhámos um pouco do nosso percurso académico e profissional, alguns conselhos para alunas que gostam de ciências, matemática e tecnologia, mas que ainda estão indecisas sobre a sua escolha, e, finalmente falámos sobre as competências importantes adquiridas durante o nosso percurso e que serão essenciais para os empregos que irão surgir”, recorda a investigadora. Do lado de lá do ecrã, Rute Luz percebeu o interesse genuíno por parte dos alunos, assumindo que para tal muito deve ter contribuído o facto de trabalhar na área da robótica. “O tema desperta sempre muito o interesse nos alunos. Neste caso como não consegui mostrar os robôs, o impacto foi um pouco menor, mas deixei o convite, que a professora aceitou, para visitarem o Técnico e o ISR para poderem ver os robôs presencialmente”, diz.
Catarina Botelho é ainda mais positiva no seu balanço da atividade: “Na minha opinião, a sessão foi um sucesso. Foram convidadas mais duas engenheiras além de mim: a Manuela Coutinho da Altice e a Marisa Fernandes da IBM, para conversar com alunas do ensino secundário de Pombal e de Évora”, narra a investigadora. Na troca de ideias gerada, abordou-se o percurso profissional das oradoras, as conquistas alcançadas, deram-se conselhos e claro lembrou-se o impacto da tecnologia na sociedade, nomeadamente na situação de pandemia. “Uma das coisas importantes que falámos foi que o essencial é seguirmos uma carreira que nos apaixone, sem olhar a ideias pré-concebidas do que poderá ser uma carreira mais masculina ou mais feminina”, relata a investigadora do INESC-ID. “Falou-se também, de forma especial, sobre como a engenharia pode ter um impacto positivo na sociedade, e qual o caminho a escolher para que possamos contribuir para um mundo melhor – parece que a conclusão é que os caminhos são muitos”, recorda Catarina Botelho.
Atualmente, e de acordo com a Eurostat, as mulheres representam menos de dois em cada 10 profissionais das TIC em Portugal, e apenas cerca de 0,2% das adolescentes portuguesas aspiram trabalhar nestas áreas, segundo os dados do Instituto Europeu para a Igualdade de Género. Aumentar estas percentagens, revertendo a desigualdade de género nas STEM é uma das metas do grupo Gender Balance do Técnico. “Temos dois objetivos principais que estão alinhados com esse propósito: a nível externo o desenvolvimento de ações que contribuam para a promoção de um recrutamento com maior equilíbrio de género junto dos candidatos ao Ensino Superior; e internamente ações no sentido de eliminar barreiras à promoção das mulheres do Técnico nas carreiras docente, de investigação ou administrativa”, partilha o professor Alexandre Bernardino, um dos coordenadores do grupo de trabalho.
A comemoração deste tipo de datas e a realização deste tipo de iniciativas são para a professora Beatriz Silva, também coordenadora do grupo Gender Balance @Técnico, muito importantes nesta “consciencialização de que a área das TIC é para todos”. “A polarização na área das TIC resulta de uma visão cultural tradicional que já não reflete a sociedade atual e a abrangência da Engenharia nas outras áreas de conhecimento”, adiciona a docente. “É preciso dar voz às mulheres que são um exemplo de que é possível ser-se feliz e ter sucesso na área das TIC. Esta área precisa de diversidade, e a sua evolução e desenvolvimento dependem desta abrangência”, aponta, por sua vez, o professor Alexandre Bernardino. “As mulheres e os homens têm perspetivas de vida, experiências, capacidades e maneiras de julgar diferentes. A diversidade de outros pontos de vista aumenta a criatividade que é essencial ao desenvolvimento e à inovação. A humanidade está dependente das TIC e para evoluirmos como um todo é necessário a integração de todos”, acrescenta o docente.
Rute Luz e Catarina Botelho são um dos tantos exemplos de como a tecnologia pode ser apaixonante e desafiante para uma mulher. O talento de ambas e o reforço que são nas suas equipas de trabalho realça o potencial que uma mulher pode ter nestas áreas, a naturalidade e o à-vontade com que ingressaram e trabalham numa área maioritariamente masculinas torna tudo isto simples, como de facto o é.
Catarina Botelho nunca sentiu discriminação por ter escolhido uma carreira na área das STEM. “É certo que já me encontrei em ambientes nos quais representava uma minoria, mas em nenhuma situação que me tenha feito sentir desconfortável. Também tenho algumas preocupações, sobre a desigualdade salarial ou no acesso a empregos, mas acredito que tudo isso está a mudar”, aponta a investigadora do INESC-ID.
“Ainda não senti qualquer estranheza em trabalhar nesta área, sempre estive em grupos/equipas bastante profissionais e que nunca criaram qualquer dificuldade ou estranheza”, partilha Rute Luz. “Penso que é uma questão de hábito, infelizmente tive de me habituar a trabalhar com colegas e professores que são homens, que pertencem a grupos e institutos de investigação liderados por homens, que por sua vez pertencem a universidades também estas lideradas por homens. Seria ótimo ver uma maior diversidade nestas “cadeiras” com um maior poder de decisão, penso que esta mudança e diversidade iria apenas enriquecer a comunidade académica e social”, adiciona a investigadora do ISR.
Catarina Botelho escolheu o caminho da Engenharia pela quantidade e diversidade de oportunidades da área. “Lembro-me perfeitamente de não saber exatamente o que queria, mas sabia que gostava de matemática, de física, e do corpo humano o que acabou por me levar a escolher Engenharia Biomédica”. Nunca se sentiu que tivesse um leque de possibilidade de futuro reduzido e isso foi o que sempre mais a entusiasmou agora que olha para trás. Hoje em dia é investigadora júnior no INESC-ID, no Human Language Technology (HLT) Lab e trabalha na área de processamento de fala e machine learning aplicado à saúde.
Até a investigadora do INESC-ID não consegue entender bem o que afasta tantas jovens das STEM. “Talvez sejam ideias pré-concebidas desde cedo, desde que os rapazes brincam com carrinhos e legos e as raparigas com bonecas, talvez seja pelo exemplo de pessoas mais velhas”, especula. Tem que o fazer porque ela sempre brincou com com carros, legos e bonecas e teve conhecimento de fortes exemplos, tanto de mulheres como homens, muito bem-sucedidos nas STEM na sua vida.
Quando decidiu estudar Engenharia Aeroespacial, Rute Luz sentiu ao de leve os efeitos destas etiquetas de género que ainda assombram as STEM. “Felizmente sabia o que queria e gostava e não deixei o ‘facto de engenharia aeroespacial ser só rapazes’ me impedir de estudar aquilo que gostava e me entusiasmava”, lembra. Ainda bem que não o fez, porque hoje é uma das mentes do Intelligent Robots and Systems Group (IRSg) do ISR e uma das investigadoras por detrás de uma interface para operar robots em missões a Marte.
Para Rute Luz “é importante entusiasmar as jovens e mostrar a magia da Engenharia” despertando o interesse dos mais jovens, independentemente do género para com a área. “No entanto, penso também que é importante que esta magia seja demonstrada por mulheres dentro das STEM”, acrescenta. Seguir esta estratégia de partilha de casos de sucesso, de exemplos livre do desconforto de ser mulher num mundo maioritariamente de homens talvez é, de acordo com a investigadora do ISR uma boa forma de irradiar o medo que tantas vezes afasta as jovens destas áreas. “Na minha opinião, uma rapariga escolher estudar e seguir uma carreira em engenharia não deveria ser um ato de rebeldia, mas sim um acontecimento tão comum que nem merecesse que esta publicação fosse partilhada”, diz com toda a convicção. E se ainda o é, é porque ainda há caminho a percorrer.