A lecionação da unidade curricular (uc) Produção de Conteúdos Multimédia (MCP) ligou a professora Sandra Gama e os professores Joaquim Jorge e Daniel Gonçalves, mas seria a vontade de inovar nesta jornada que os uniria verdadeiramente num caminho de sucesso, e no qual os alunos são os principais beneficiados. Ao longo dos últimos 10 anos, os docentes têm feito uma série de experiências sobre Métodos Educativos e Práticas Pedagógicas inovadoras com os alunos desta uc, integrada no mestrado de Engenharia Informática e de Computadores. Os resultados conquistados e as conclusões que deles se podem tirar serviram de mote ao artigo “How do Students Behave in a Gamified Course? A Ten Year Study” [Novos Métodos e Práticas Pedagógicas com 10 anos de experiência], publicado agora pelo Institute of Electrical and Electronics Engineers (IEEE).
O professor Joaquim Jorge realça que além “de um repositório de práticas inovadoras, a UC permitiu-nos explorar abordagens híbridas de ensino e disseminá-las com a comunidade científica”. “Não conhecemos outro grupo a nível mundial que tenha conduzido experiências por um período tão prolongado e com a nossa profusão de resultados”, afirma o docente.
Desde os primeiros anos que os professores procuram abordagens à aprendizagem utilizando elementos de jogo. “A metodologia baseia-se na Self-Determination Theory, procurando motivar os alunos através da busca individual da excelência, do reconhecimento pelos pares e na procura de caminhos individuais”, explica o professor Joaquim Jorge. “Uma contribuição específica da nossa abordagem, consiste na classificação quântica rastreável (CQR), que permite aos alunos, em qualquer altura, justificarem a sua classificação ao centésimo de valor, com base nas atividades desenvolvidas”, acrescenta.
Através desta metodologia, os docentes dão um verdadeiro sentido ao conceito de avaliação contínua, uma vez que “a qualquer momento estão disponíveis atividades e tarefas que, se desempenhadas com qualidade, permitem um incremento na classificação”, como sublinha o professor Daniel Gonçalves.
Para além disso, e tal como explica a professora Sandra Gama, os docentes tiram partido de mecanismos clássicos de jogo – pontos, níveis, leaderboard, badges- para criar uma experiência de gamificação. “Criámos um conjunto de mecanismos para amplificar a imersão dos estudantes no jogo e que complementam os aspetos mencionados, proporcionando maior presença social, cognitiva e de ensino”, evidencia a docente. “Por exemplo, dinamizamos fora de discussão, um mecanismo de peergrading e uma skill-tree que permite aos alunos escolher o percurso que pretendem seguir para obter pontos de experiência, consoante as valências que possuem e ou querem desenvolver”, refere a professora Sandra Gama. Tudo isto é sujeito a uma evolução permanente mediante o retorno que recebem a cada ano dos alunos.
A experiência tem-lhes permitido recolher dados que passaram para o papel e transformaram no artigo destacado pelo IEEE. Na análise feita, foram determinados grupos de alunos aplicando técnicas de agrupamento aos respetivos dados de desempenho. Foram identificados quatro diferentes grupos de alunos (perfis / “clusters”) de acordo com o seu desempenho e interações com o curso.
Uma das conclusões que é possível retirar desta análise é que os alunos com melhor desempenho tiveram significativamente mais interações com os materiais do curso e tiveram as classificações mais altas de forma consistente ao longo do semestre. “Além disso, descobrimos que os indicadores de desempenho por aluno estabilizam no primeiro mês após o início do curso, permitindo que as notas finais sejam previstas com alta precisão a partir do período inicial. Mais verificámos que os discentes na sua maioria são orientados por prazos e se tornam muito mais ativos no final do semestre-indicando falta de capacidade de autorregulação”, explica o professor Joaquim Jorge.
O professor Daniel Gonçalves sublinha que “é sempre difícil aferir o impacto direto [da aprendizagem gamificada] no rendimento dos alunos, se medido apenas pela sua nota final, dada a diversidade de fatores que contribuem para a mesma”. Dito isto, o docente declara que a estratificação dos alunos, encontrada nesta análise, é reveladora do seu desempenho e motivação, e reflete-se nesses resultados. “Em particular, para além dos perfis que se poderiam encontrar facilmente em disciplinas mais tradicionais e com resultados não díspares do que seria aí expectável, foi identificado um grupo significativo de alunos altamente motivados desde o primeiro momento. Estes alunos esforçam-se ativamente por tirar partido da aprendizagem gamificada, ao longo de todo o semestre e não em momentos pontuais ao longo do mesmo”, evidencia o docente. “Isto resulta em classificações bastante elevadas no final, mas amplamente merecidas”, salienta, ainda.
Perante esta experiência tão bem-sucedida, a equipa de docentes tem em mente a criação de novas instâncias de gamificação, noutras unidades curriculares. “Tal permitir-nos-á perceber o sucesso da gamificação em contextos diferentes, com conteúdos programáticos diferentes dos que temos tido. Por outro lado, temos vindo a adaptar cada vez mais a experiência de gamificação tendo em conta as necessidades individuais dos alunos, que é algo que tem um impacto bastante significativo em todo o processo de ensino-aprendizagem”, revela a professora Sandra Gama.
Aspetos como modelos de personalidade, perfis de jogador e estilos preferenciais de aprendizagem são “fatores que fazem toda a diferença na forma como a pessoa se comporta face a um objetivo, face a um jogo e face aos seus pares”, tal como destaca a docente. Os três docentes do Técnico pretendem criar mecanismos que permitam tirar partido destes fatores para tornar a experiência mais cativante o que, como consequência, potencialmente levará a resultados positivos a nível académico.
Se além de olharmos para o futuro, recordarmos um passado mais recente percebemos também as vantagens desta linha de ensino perante imprevistos, como o foi a pandemia e a transição muito rápida que esta exigiu ao ensino. Na unidade curricular de MCP a adaptação ao ensino remoto foi mesmo “trivial”. “Toda esta metodologia, desde sempre suportada por ferramentas criadas para o efeito, e com uma componente online muito forte, transitou diretamente para o modelo remoto sem necessidade de quaisquer adaptações”, refere o professor Daniel Gonçalves. “Adicionalmente, os resultados não diferiram dos obtidos em anos anteriores, mostrando que é possível manter os alunos interessados, participativos e a aprender, mesmo em situações mais extremas”, adiciona o docente. “Graças à Gamificação”, denota, ainda o professor Joaquim Jorge.