Quando se soube o nome da técnica que havia ganho, esta semana, o prémio Nobel da Química 2017, a maioria interrogou-se sobre a génese da mesma e qual a importância que tem e terá para o mundo da química ou de cada um de nós. Pois bem, a criomicroscopia electrónica (cryo-EM) permite-nos coisas tão fulcrais no mundo da investigação científica como observar as proteínas que promovem a resistência à quimioterapia ou os complexos moleculares que regem o relógio biológico. “A cryo-EM já permitiu aos cientistas estudar algumas biomoléculas com um detalhe sem precedente e assim estimular alguns avanços científicos”, explica a professora Isabel Sá Correia, docente do Técnico, presidente da Sociedade Portuguesa de Microbiologia e investigadora do iBB-Instituto de Bioengenharia e Biociências.
“A técnica de microscopia crioeletrónica (cryo-EM) é uma modalidade de imagiologia essencial para o estudo das estruturas de moléculas biológicas e complexos macromoleculares no seu ambiente fisiológico”, esclarece a professora Isabel Sá Correia. Vem acrescentar melhorias às técnicas de microscopia eletrónica convencional e de cristalografia de raios X que, embora sejam também técnicas de alta resolução, apresentam limitações. A cryo-EM é, pois, uma variante de microscopia eletrónica de transmissão (TEM) a temperaturas criogénicas (muito baixas), e daí a designação”, como realça a Presidente da Sociedade Portuguesa de Microbiologia.
Os responsáveis pelo desenvolvimento desta técnica foram o escocês Richard Henderson, do Laboratório de Biologia Molecular da Universidade Cambridge, no Reino Unido, o alemão Joachim Frank, professor da Universidade Columbia, nos EUA, e o suíço Jacques Dubochet, professor de biofísica da Universidade de Lausanne. No seu conjunto, o trabalho desenvolvido pelos três cientistas “veio permitir aplicar a microscopia eletrónica de transmissão à observação de biomoléculas sem as destruir. Isso, através de desenvolvimentos na preparação da amostra e no processamento de imagem”, destaca a professora Isabel Sá Correia.
Richard Henderson foi o primeiro a tentar usar, com algum sucesso, o TEM usando feixes de eletrões menos intensos para gerar uma imagem 3D de uma proteína com resolução ao nível do átomo. Tendo demonstrado o potencial da tecnologia, deu, pois, o primeiro pontapé. Joachim Frank por sua vez desenvolveu modelos matemáticos para o processamento de imagem através do qual as imagens difusas e a duas dimensões das biomoléculas eram analisadas e misturadas de modo a revelar uma clara estrutura 3D. Finalmente, Jacques Dubochet da Universidade de Lausanne na Suíça, conseguiu vitrificar a água em torno da amostra biológica a observar, por arrefecimento muito rápido, o que permite que as biomoléculas conservem a sua forma natural mesmo sob vácuo.
A cryo-EM veio “simplificar e melhorar a obtenção da imagem de biomoléculas, tendo vindo a contribuir para a compreensão dos processos biológicos que ocorrem dentro das células, anteriormente de impossível visualização”, explica a professora Isabel Sá Correia. “É uma técnica basilar aplicável, no essencial, a qualquer problema biológico”, acrescenta. Assume-se por todos estes motivos como uma arma fundamental para o desenvolvimento e competitividade da investigação em bioquímica e biologia celular e molecular. Além de tudo isto e como lembra a docente do Técnico, “essa visualização permite guiar os esforços com vista ao desenvolver de novos medicamentos, à compreensão e tratamento de doenças, ao controlo da resistência a fármacos, ao desenvolvimento de estirpes mais robustas e eficientes para a Biotecnologia, etc.”
E dada as potencialidades desta técnica, é possível os investigadores nacionais usufruírem delas? A professora Isabel Sá Correia dá a resposta: “Não há qualquer equipamento de criomicroscopia em Portugal. Aliás, só um limitado número de instituições na Europa e no mundo têm equipamento para cryo-EM que custam milhões de euros, sendo a sua manutenção também dispendiosa”. Assim para “garantir a competitividade da comunidade científica nacional na área de Ciências da Vida, é indispensável dispor de grandes equipamentos para investigação, desta e de outra natureza”, reitera a docente do Técnico. “Estamos perante um desenvolvimento explosivo da bioquímica”, podia ler-se no texto que justificava a atribuição deste Nobel.