Geramos dados a um ritmo alucinante e automático, e o simples facto de sermos inseparáveis do nosso telemóvel traduz-se em informação que, em contexto de pandemia, pode ser fulcral na previsão do risco de contágio. Numa altura em que travamos uma autêntica guerra contra um inimigo invisível, temos na manga esta arma secreta que pode ser tão diferenciadora na estratégia de combate. Tendo todo este potencial bem presente, a equipa do projeto INTAKE – INtegrating mobility daTa into spAtial risK modEls pretende através da integração dos dados de mobilidade individual fornecidos por uma operadora de telecomunicações ajudar a melhorar modelos epidemiológicos que já existem e que permitem prever o risco de contágio em cada região do país.
“As operadoras mantêm, permanentemente, dados sobre a localização dos telemóveis que estão ligados, sabendo assim, em cada momento, a localização aproximada de cada assinante, com uma incerteza de poucas centenas de metros ou mesmo menor que isto, quando são usadas tecnologias específicas”, explica o professor Arlindo Oliveira, líder do INTAKE e investigador do Instituto de Engenharia de Sistemas e Computadores, Investigação e Desenvolvimento- INESC-ID. Quando um assinante se desloca está a gerar informação que fica registada pelas operadoras e “que pode ser usada, sem riscos de privacidade ou segurança, nem efeitos negativos na autonomia ou comportamento dos telemóveis”, como garante o docente do Técnico.
Uma vez anonimizados e agregados, estes dados de mobilidade individual refletem os fluxos diários, semanais e anuais de pessoas entre concelhos e podem fornecer informação fulcral acerca da probabilidade de um infetado de um determinado concelho de origem infetar pessoas no(s) concelho(s) para onde se deslocou.
Esta junção dos dados de mobilidade aos modelos epidemiológicos pode oferecer uma noção mais realista do risco de contágio em cada concelho porque, tal como sublinha o líder do projeto, “as pessoas infetam-se uns aos outros não só no local onde vivem, ou no local onde trabalham, mas também noutros locais, uma vez que transportam o vírus de uma localização para outra”. A equipa do INTAKE pondera enriquecer ainda mais esta solução agregando-lhe dados adicionais – como, por exemplo, informação sobre os comportamentos das populações relativas a atividades de saúde- que poderão, devidamente integrados, permitir melhorar a qualidade das previsões.
“Há um interesse prático e um interesse científico neste projeto. O interesse prático é permitir melhorar a previsão da evolução do número de casos, exista ou não segunda vaga”, refere o docente do Técnico. Aliás, numa altura em que a situação epidemiológica na região de Lisboa e Vale do Tejo se agrava diariamente, o professor Arlindo Oliveira destaca que esta solução poderá “ajudar a clarificar a evolução preocupante a que assistimos, que pode estar a ser influenciada por mobilidade de pessoas na região”, salienta.
Além do INESC-ID, o INTAKE contemplado com um total de 37.524 euros pela linha de financiamento excecional RESEARCH 4 COVID-19 envolve também o Centro de Recursos Naturais e Ambiente (CERENA), o Laboratório Associado de Robótica e Sistemas de Engenharia (LArSys), o Instituto Nacional de Saúde Dr. Ricardo Jorge (INSA) e uma operadora de telecomunicações. A equipa está a estudar a forma como a informação será disponibilizada no futuro, ainda que o líder do projeto adiante que o mesmo pode ser feito através de uma ou mais plataformas.
Para o professor Arlindo Oliveira é fundamental que as autoridades de saúde tenham estas ferramentas que lhes permitam prever a evolução das epidemias. “Isso permite não só responder melhor numa dada situação, mas também testar a eficácia de cenários de atuação futura, de formas de restrição de mobilidade, de imposição de cercas sanitárias, etc.”, refere o docente. “Neste momento, muitas das decisões são tomadas com insuficiente conhecimento dos possíveis impactos de cada decisão”, acrescenta ainda.
Considerando que o problema de monitorização e controlo das epidemias é multidimensional e multidisciplinar, o professor Arlindo Oliveira aponta que “provavelmente, não existe nenhuma outra instituição a nível nacional com fortes competências em áreas tão variadas como a saúde e biotecnologia, a modelação territorial, a ciência de dados e os sistemas de informação como o Técnico”. Esta capacidade instalada justifica, no entender do docente, “o peso que o Técnico teve neste esforço para dinamizar a ciência nacional contra um inimigo comum e invisível”.