Quem melhor do que os próprios pacientes ou os seus cuidadores para partilhar as dificuldades e aspirações de viver com uma doença ocular crónica, orientando e inspirando quem trabalha na área? Partindo deste princípio, e procurando aproveitar todos os benefícios desta partilha, teve lugar no Técnico, no passado sábado, 26 de março, o evento “The patient as the teacher”, que reuniu pacientes, cuidadores, médicos, indústria e investigadores de todo o mundo.
O balanço do evento é, segundo a professora Ana Paula Serro, docente do Departamento de Engenharia Química (DEQ) e responsável pelo projeto em Portugal e no Técnico, “extremamente positivo”. “Eventos desta natureza, que reúnam os investigadores com as várias partes interessadas no seu trabalho, nomeadamente com os pacientes, que neste caso são em última análise os utilizadores finais dos produtos desenvolvidos, são raros. Sentar à mesma mesa pessoas com diferentes perspetivas, trocar ideias e experiências foi sem dúvida enriquecedor para todos”, salienta a docente.
A iniciativa está inserida no âmbito do projeto europeu “Ocular Research By Integrated Training and Learning” (ORBITAL), do qual o Técnico é parceiro. A abertura do evento ficou a cargo da secretária de Estado da Inclusão das Pessoas com Deficiência, Dra. Ana Sofia Antunes, e do presidente do Instituto Superior Técnico, Rogério Colaço.
No total, o encontro contou com cerca de 50 participantes. Entre eles, cerca de 40% eram pacientes ou cuidadores. “Estiveram presentes representantes de diversas associações de doentes, que nos perguntaram se o encontro se iria passar a realizar anualmente e manifestaram um forte interesse na promoção de mais iniciativas deste tipo”, partilha a docente do Técnico.
De forma informal e descontraída como, aliás, o formato do evento – World Café – o convidava a fazer, os participantes foram desafiados a conversar em pequenos grupos, promovendo-se a troca de experiências entre todos os intervenientes, absorvidas pela equipa do projeto que teve desta forma oportunidade de contactar diretamente com pacientes portadores de patologias do foro ocular, debatendo com os pacientes e/ou cuidadores as melhores formas de abordar e mitigar as doenças oculares crónicas.
A professora Ana Paula Serro revela que “a única questão que suscitou algumas críticas” e que acabou por colocar alguns entraves a esta partilha foi o idioma do encontro. “Embora tivéssemos indicado que o mesmo decorreria em inglês, por contarmos com um elevado número de investigadores estrangeiros, constatámos que diversos participantes tinham alguma dificuldade em comunicar nesta língua. No entanto, com a ajuda de alguns participantes que em cada mesa assumiram o papel de ‘tradutores’ e algumas intervenções bilingues, conseguimos contornar a questão”, recorda a docente do Técnico. Face aos incentivos recebidos, a organização está já a pensar organizar “um novo encontro deste tipo a médio prazo, no âmbito de um outro projeto nacional que temos em curso e que aborda uma temática afim- o tratamento das doenças do olho diabético-, desta feita usando o português como língua base” como adianta a docente.
Para a equipa de investigadores, da qual a professora Ana Paula Serro faz parte, esta terá sido uma oportunidade única de ouvir na primeira pessoa as principais dificuldades dos pacientes e definir novas estratégias de ação, deixando-se inspirar pelas vivências compartilhadas. A docente do Técnico explica que “durante os meses que antecederam o encontro, os investigadores juniores do projeto ORBITAL receberam formação para melhorarem a sua capacidade de comunicação com os pacientes e público em geral”. “Tiveram oportunidade de participar em diversas sessões e workshops, onde foram abordados temas que como a empatia na comunicação, utilização dos media, ou a aprendizagem centrada no paciente. Prepararam cuidadosamente algumas questões para colocarem aos pacientes num ambiente informal, por forma a terem resposta para algumas das suas dúvidas”, adiciona.
Perante tudo isto, a expectativa para este encontro era “bastante elevada”. “O encontro permitiu-lhes conhecer uma realidade para a qual não estavam despertos e proporcionou-lhes uma experiência que constituirá uma forte fonte de motivação para os seus trabalhos”, frisa a docente do Técnico.
Além de doentes, cuidadores e investigadores, juntaram-se aos trabalhos representantes de Associações de doentes/deficientes, tais como: a Associação Protetora dos Diabéticos de Portugal (APDP), a Associação de Retinopatia de Portugal (ARP), a Associação dos Cegos e Amblíopes de Portugal (ACAPO) ou a Seeing Hand Association for the Blind.
O painel de participantes contou ainda com membros da European VitreoRetinal Society e clínicos de diversas instituições prestadoras de cuidados de saúde. “Relativamente a empresas, aceitaram o nosso convite a Edol e a Pfizer Algeria”, refere a professora Ana Paula Serro. “O objetivo foi ter contribuições de todas as partes para em conjunto melhor definirmos rumos a seguir”, sublinha, em seguida.
Integrando um consórcio multidisciplinar que junta o Instituto Superior Técnico e outros 22 parceiros da Europa, Canadá e Estados Unidos da América, de natureza académica, clínica e industrial, o projeto Orbital visa a formação avançada de investigadores especializados no desenvolvimento de novas estratégias para o tratamento de doenças oculares crónicas, como a degenerescência macular relacionada à idade, o glaucoma ou a retinopatia diabética. Estas doenças encontram-se entre as principais causas de deficiência visual, estimando-se que afetem atualmente cerca de 380 milhões de pessoas, número que se prevê aumentar para 559 milhões em 2040 (47%).