Ondas gravitacionais estão a ajudar-nos a resolver alguns dos maiores mistérios da física atual, desde a formação do Universo à natureza da matéria escura ou aos testes mais precisos sobre as propriedades dos buracos negros. A gravidade está no cerne de alguns dos problemas mais importantes, e difíceis, em astrofísica, cosmologia e física fundamental, enquanto que os buracos negros – um produto extremo da gravidade – contêm em si mesmos algumas das previsões mais extraordinárias da teoria da Relatividade Geral de Einstein e há até quem os intitule como “janelas para o futuro”. Cientes do peso de tudo isto e da importância de lembrar todas as questões que ainda estão em aberto, mais de 200 cientistas de todo o mundo juntaram-se para criar um apanhado do estado da arte, e dos reptos que estão no ar para os próximos anos.  É uma espécie de guia da astronomia gravitacional que oferece uma visão entre o presente e o futuro, abarcando tópicos que vão desde a astrofísica de buracos negros, à forma como se modelam os sinais de ondas gravitacionais. E se o roteiro conta com os mais conhecidos especialistas da área, claro, que o professor Vítor Cardoso tinha que estar incluído no mesmo. O docente do Departamento de Física (DF)do Técnico é um dos quatro editores do roteiro e coordenador da colaboração internacional por detrás deste projeto.

“Assim que a colaboração LIGO/Virgo anunciou a primeira deteção direta de ondas gravitacionais, percebemos duas coisas: em primeiro lugar, que o futuro da física fundamental e astrofísica reside nesta área, dado os limites que se notam já em física de partículas. Em segundo lugar, que apenas um número pequeno de colegas percebe a linguagem da Relatividade Geral, de onde as ondas gravitacionais aparecem naturalmente”, relembra o professor Vítor Cardoso. “Em paralelo, a comunidade teórica tem um conhecimento muito restrito dos cenários astrofísicos relevantes, e até das técnicas usada para a deteção de ondas gravitacionais”, frisa ainda o docente do Técnico.  Partindo destas conclusões e assumindo-as como um desafio, nasce assim “de forma muito natural e imediata” a ideia deste roteiro, que depois de concluído se revela como essencial para uma perceção do que tem sido feito, do seu impacto no conhecimento que detemos hoje, da forma como foi feito, do que ainda há por fazer. Assume-se como um ótimo manual de instruções para muitos dos puzzles mais difíceis da física atual.

“Este roteiro é uma montra de toda a física relacionada com ondas gravitacionais”, aponta o professor Vítor Cardoso. Através dele é possível ter a resposta a várias questões relacionadas com a deteção das ondas gravitacionais, o que é que se pode aprender com elas, quais as evidências que suportam a sua existência ou até mesmo perceber se a Relatividade Geral é a palavra final na descrição da gravidade. Tudo isto sob a orientação do conhecimento de especialistas em várias áreas, desde astrofísica à cosmologia, passando pela física de partículas e interações fundamentais. “É útil para todos, especialmente porque resume de forma pouco técnica o nosso conhecimento”, sublinha o professor Vítor Cardoso. “É útil para especialistas porque tem uma quantidade generosa de referências para trabalho especializado, onde se pode procurar mais detalhes”, realça, ainda, o docente do DF.

O roadmap on black holes, gravitational waves and fundamental physics foi publicado na Classical and Quantum Gravity, da IOP Publishing. Além do professor Vítor Cardoso, tem como editores os professores Leor Barack da Universidade de Southampton, Samaya Nissanke da Universidade de Amesterdão, e Thomas P Sotiriou da Universidade de Nottingham.

Por detrás deste trabalho está uma colaboração já com alguns anos e que nasceu poucos antes da primeira deteção direta de ondas gravitacionais. A equipa interdisciplinar, liderada pelo Técnico, juntou-se em 2016 criando a acção europeia COST sobre “Black holes, gravitational waves and fundamental physics” (GWverse). A GWverse tem como objetivo manter e consolidar a liderança em física de buracos negros e ondas gravitacionais, unindo três comunidades que estavam tradicionalmente separadas: uma que se especializa no processo de deteção e análise, outra na modelização, e uma terceira nos testes e consequências para a física fundamental.  Esta rede, com uma linguagem e um fórum de discussão comuns, tem vindo a interagir e aprender em sintonia com os novos detetores e eventos. Além disto, esta ação funciona como um estímulo e suporte da nova geração de líderes na área, os primeiros astrónomos realmente “nativos” de astronomia de ondas gravitacionais, e que serão assim formados para conseguirem dar resposta aos novos desafios que se impõem na área. Este roteiro assume-se como um dos produtos mais visíveis desta colaboração.

“Qual a natureza da matéria escura?”; “Qual a resolução do paradoxo da informação?”; “Qual a razão para a aparente assimetria entre matéria e anti-matéria?”; “Porque é que o universo expande, e qual o rácio da expansão?”; “Alguma vez teremos evidência da existência de horizonte de eventos no nosso Universo?”, são algumas das questões que ganham voz e argumentos neste trabalho imperdível e ao acesso de todos.