Durante os primeiros 20 anos dedicados à Academia, António Cruz Serra, garante nunca ter-se imaginado a “exercer cargos de gestão”. Mas foi também nessas funções que o professor e investigador do Instituto Superior Técnico na área da engenharia eletrotécnica, se viria a destacar nos 25 anos seguintes. Também não terá antecipado que veria, a 12 de fevereiro de 2025, um Pavilhão de Portugal ser demasiado pequeno para todos os que quiseram assistir à outorga de professor emérito daquele que foi o primeiro Reitor da nova Universidade de Lisboa – ULisboa (2013-2021). Isto, apesar de enquanto estudante da Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto (FEUP) ter “demonstrado apetência para a gestão universitária”, como lembrou José Marques dos Santos. O seu antigo professor de Instrumentação Eletrónica lembrou o “aluno Cruz Serra a trabalhar numa bancada de instrumentação” e recordou ainda “um excelente estudante muito ativo e interventivo […] dado que no ano letivo de 76/77 desempenhou os cargos de membro do conselho diretivo”. “Já tinha o bichinho”, concluiu o Catedrático que liderou a Universidade do Porto entre 2006 e 2014. Muito embora se tenha “destacado como investigador na área da engenharia eletrotécnica”, o seu impacto “ultrapassou em muito os limites da sala de aula e dos laboratórios” por ter assumido “com mérito responsabilidades que moldaram o panorama da educação superior em Portugal”, afirmou Luís Ferreira, atual Reitor da ULisboa. Luís Ferreira, que integrou a equipa reitoral do homenageado, lembrou-lhe a “muito elevada determinação percepcionada por muitos como obstinação, às vezes teimosia”. Afiançando porém que António Cruz Serra “não deixa de ouvir e discutir com os outros antes de tomar uma decisão”. Decisões pautadas de “enorme racionalidade” sem esquecer “os fatores humanos” ou ignorar a lei: “Quantas vezes o ouvimos dizer: ‘A lei era para ser cumprida até à última vírgula’, quantas vezes”, numa “perfeita síntese entre a tradição e a modernidade, entre o rigor académico e a sensibilidade humana”. Deu assim “corpo ao lema Universidade de Lisboa, de Lisboa para o mundo”.
A cerimónia de outorga do título de professor emérito ao professor Catedrático da área científica de Eletrónica, do Departamento de Engenharia Eletrotécnica e de Computadores, do Técnico (1978-2022) acontece num espaço da Universidade que dirigiu, por sua conquista: conseguiu “convencer o governo a ceder o pavilhão de Portugal à Universidade de Lisboa”, conta Rogério Colaço, presidente do Instituto Superior Técnico. Num “profundo compromisso com a causa pública”, o último Reitor da Universidade Técnica de Lisboa (2012-2013) teve de “ser paciente e capaz de seduzir e conquistar todos para o seu projeto, às vezes não muito paciente mas de um modo geral paciente”, descreveu Leonor Beleza, presidente do Conselho Geral da Universidade de Lisboa, entre 2013 e 2021, referindo-se ao processo de fusão entre a Universidade Técnica de Lisboa e a Universidade de Lisboa. Ainda sobre este, a jurista afirmou que “António Cruz Serra foi determinante para que as escolas da Universidade se sentissem cada vez mais parte de um todo sem medo de preponderâncias que não resultassem do mérito científico e académico de uma”.
Um “flaviense convicto” nascido “em Coimbra na realidade”, como descreveu Pedro Girão, docente do Técnico e seu colega há 45 anos, que não deixou a cidade onde viveu “16 anos” fora do discurso proferido já como professor emérito. Numa viagem no tempo, o homenageado foi até ao Jardim de Infância João de Deus, em Chaves, “num tempo em que só 8% das crianças frequentavam o ensino pré-escolar [hoje esse número subiu para 94%]” e ao Comício do General Humberto Delgado a que assistiu, em 1958, “aos ombros do pai”. “”Estudei numa escola primária pública com mais de 100 alunos da primeira à quarta classe, apenas quatro de nós usavam sapatos. Nenhum dos meus 30 ou 40 colegas de turma prosseguiu os estudos”, recordou.
Em 1965, ano em que ingressou no Liceu Fernão de Magalhães, foi também o pai que o trouxe a Lisboa para “visitar a cidade e os principais monumentos e assistir a um jogo do Benfica do Eusébio, no Estádio da Luz”. Entre Chaves e Lisboa, António Cruz Serra, presidente do Técnico entre 2009 e 2012, aprendeu que “a conquista do poder é muito mais divertida e entusiasmante do que o exercício do poder”, como resumiu Rogério Colaço.
Nota biográfica
António Cruz Serra nasceu em Coimbra em 1956. É administrador executivo da Fundação Calouste Gulbenkian desde 12 de maio de 2022.
Professor Catedrático da área científica de Eletrónica, do Departamento de Engenharia Eletrotécnica e de Computadores, do Instituto Superior Técnico da Universidade de Lisboa, onde exerceu funções docentes de 1978 a 2022.
Foi Reitor da Universidade de Lisboa (2013-2021), Reitor da Universidade Técnica de Lisboa (2012-2013), Presidente do Instituto Superior Técnico (2009-2012) Presidente Adjunto para os Assuntos Administrativos do Instituto Superior Técnico (2002-2008), membro do Comité Executivo da Fusion for Energy (2007-2009), Presidente da IMEKO – International Measurement Confederation (2009-2012), Presidente do Conselho de Administração da Taguspark SA (2010-2014), Presidente do Cluster – Consortium Linking Universities of Science and Technology for Education and Research (2010-2012).
Foi investigador do Grupo de Biomecânica do Instituto Gulbenkian de Ciência (1979-1981), investigador do Centro de Eletrotecnia da Universidade Técnica de Lisboa do INIC (1982-1994) e investigador do Instituto de Telecomunicações (1994-2024).
Foi membro dos painéis de avaliação de projetos de investigação científica, na área de Instrumentação Eletrónica, propostos para financiamento a diversos programas quadro da União Europeia e às agências governamentais de Portugal, República Checa, Itália e Polónia.
Desde 1993 a 2022 lecionou disciplinas de Eletrónica no curso de Armas e Eletrónica da Escola Naval.
Doutorado (1992) e Mestre (1985) em Engenharia Eletrotécnica e de Computadores pelo Instituto Superior Técnico da Universidade de Lisboa, licenciado em Engenharia Eletrotécnica pela Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto (1978).
É autor de mais de duas centenas de publicações científicas.
Em 2023, a ULisboa inaugurou uma residência com o seu nome. Em 2021 foi condecorado com a Grã-Cruz da Ordem do Infante D. Henrique pelo Presidente da República.